Lamento informar, mas o salário de Domingues é de todos eles
Não vale a pena fugir, não vale a pena fingir. António Domingues tem o salário que todos aceitaram
O Governo tinha um nome para a Caixa. E quis escolher o que achava melhor. Escolheu António Domingues, mas este não aceitava sair do BPI por menos do que aquilo que lá ganhava.
António Costa aceitou o jogo, mas sabia que não o podia jogar sozinho. Era preciso mudar a lei para que Domingues tivesse um ordenado que seria o dobro do que ganhava o anterior presidente da CGD. E era muito, muito fácil, que essa lei fosse chumbada - no Parlamento ou na Presidência da República.
Estou absolutamente convencido que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças nunca se teriam metido na aventura de anunciar o nome de António Domingues se não tivessem procurado essas garantias previamente. Mas pouco importa para tudo isto a minha convicção. Mesmo que Costa e Mário Centeno tivessem entrado nesse jogo, correndo o risco de ficar sem presidente para a Caixa e, pelo caminho, desvalorizado brutalmente o banco público com semelhante vergonha, o facto é que a lei foi aprovada em Conselho de Ministros, promulgada pelo Presidente da República e acabou por passar na Assembleia. A proposta do Bloco para que os salários na CGD ficassem a 90% do ordenado do chefe de Estado foi chumbada por quase todos; e a do PSD para que se voltasse à lei anterior foi vetada pelos partidos da esquerda. António Domingues foi, assim sendo, nomeado, empossado e reconfirmado.
É por isso que não compro o jogo político baixinho que se viu esta semana. Pouco me impressiona que Catarina Martins tenha vindo dizer que para o Bloco o salário de Domingues “não é um assunto encerrado - e que o Governo tem a sua “total oposição” neste dossiê. Lamento informar o Bloco de Esquerda, mas se o assunto tem a “total oposição” do Bloco, se ao mesmo tempo o Bloco teve a faca e o queijo na mão para impedir estes salários e esta nomeação, há qualquer coisa que não bate certo. Talvez lhe possamos chamar teatro (com todo o respeito).
A mesma coisa se aplica ao PCP. E mais ainda ao Presidente da República. Disse Marcelo, no texto em que promulga o decreto-lei, que só aceitava porque esta era a única maneira de Domingues ser nomeado. Acrescentou depois o Presidente que o Governo devia ter cuidado com a fixação do bendito salário. Bem sei que é desagradável ao Presidente a maçada de ter que se responsabilizar por uma decisão que custa popularidade. Mas o que não vale é deixar uns avisos no site da Presidência para depois dizer que avisou. Vamos lá a ser claros sobre este assunto: se o Presidente não queria um salário destes, podia muito bem ter vetado o documento e dito ao Governo para o mudar.
Claro que, para o fazer, o Presidente tinha que fazer outra coisa que não quer: assumir o ónus de impedir António Domingues de tomar conta do banco público. Ou seja, assumir também aqui um custozinho de impopularidade. Sim, é chato ter que decidir. Mas que país é que precisa de um Presidente que não quer decidir?
Pessoalmente, não "compro" esta histeria de um país que quer ter um banco público, mas depois quer que ele não custe dinheiro. Sim, ter uma gestão profissional custa dinheiro. Sobretudo se quisermos que o banco público não nos custe uma fortuna.
Coisa bem diferente (e aviso já que não conheço o dr Domingues) é passar cheques em branco à nova administração da Caixa, ou sequer à opção do Governo. Faz-me muito mais confusão, por exemplo, saber que Domingues ainda era vice-presidente do BPI e já tinha acesso aos dados da Caixa; saber que Domingues contratou uma consultora para trabalhar, nessa altura, um plano de recapitalização do banco público; que tenha feito convites sem saber (ou prevenir) que a lei impedia acumulações de funções.
Por muito que António Domingues ganhe, faz-me muito mais confusão saber que ele diga que não faz uma auditoria aprovada em Conselho de Ministros em Junho; que não nos passe cartão sobre para que serve tanto dinheiro nesta recapitalização; ou que o primeiro-ministro diga, numa semana, que a recapitalização pode ser feita só em 2017 e, na seguinte, o ministro das Finanças afirme que vai ser feita já em 2016.
No que respeita à situação atual da Caixa, aliás, o que me preocupa mais é o que ainda vem aí, não o que ganha o seu presidente. Nomeadamente a prudência com que se fará a separação de activos malparados e a respectiva consequência que isso possa trazer para o restante sector financeiro. Se António Domingues conseguir passar estas etapas, colocar a Caixa com as contas limpas e ajudar as empresas e a economia, até sou capaz de me esquecer de todo este processo. Quanto ao salário dele, vou cobrá-lo ao Governo, ao Bloco, ao PCP, como ao PSD e CDS. E ao srº Presidente, pois claro.