Desenterrar o passado escondido da guerra civil espanhola

O trabalho de exumação dos corpos está a ser realizado pela Associação para a Recuperação da Memória Histórica de Valladolid
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O trabalho de exumação dos corpos está a ser realizado pela Associação para a Recuperação da Memória Histórica de Valladolid

Das botas, restam as solas descosidas, praticamente engolidas pela terra. Das pernas e do corpo a quem pertenciam, sobram apenas as ossadas, agora identificadas por um arqueólogo com uma placa cor-de-laranja com um número: 30. É no cemitério municipal El Carmen, em Valladolid, que arqueólogos identificam este e outros corpos depositados em valas comuns há mais de 80 anos. Valas comuns cuja existência tinha vindo a ser negada pelas autoridades e que só agora estão a ser abertas para que se procure identificar aquelas que foram vítimas da guerra civil espanhola (1936-1939)e da repressão do general Franco.

Em toda a Espanha estima-se que existam mais de 2000 valas comuns com mais de 100 mil vítimas que estão, ainda hoje, dadas como “desaparecidas”, depois daquele que é descrito com o genocídio franquista. Em Valladolid, as autoridades autorizaram e financiaram recentemente a escavação de uma parte do cemitério El Carmen onde se acredita que estejam mais de 1000 vítimas. Desde Abril, já foram descobertos 185 corpos que serão analisados por arqueólogos forenses na tentativa de os identificar. “É sobretudo uma questão de dignidade nacional e de direitos humanos, mais do que abrir feridas do passado”, afirma o presidente da Câmara de Valladolid, Oscar Puente, que alocou 25 mil euros do orçamento do município para que os trabalhos pudessem avançar. “Não podíamos continuar a olhar para o lado”, explicou.

Durante 60 anos, Abílio Perez percorreu, ao lado da mulher, os caminhos do cemitério que agora se encontram escavados. Hoje com 80 anos, recorda todas as vezes que ali deixou flores, por acreditar que o sogro e cunhado teriam ali sido entrerrados em 1936. Durante anos as autoridades reafirmaram que não haveria ali nada para encontrar. “É imperdoável que só se esteja a fazer isto agora”, diz o arqueólogo Julio del Olmo, membro da Associação para a Recuperação da Memória Histórica de Valladolid, responsável pela missão. Em muitos casos já não existem familiares com que seja possível comparar o ADN dos cadáveres. E milhares de espanhóis nunca chegaram a saber o paradeiro dos familiares desaparecidos.  

(Texto: Vera Moutinho)

Cemitério El Carmen, em Valladolid
Cemitério El Carmen, em Valladolid
Os restos mortais são recolhidos e enviados para análise forense
Os restos mortais são recolhidos e enviados para análise forense
Um arqueólogo forense recolhe uma amostra de ADN de Julia Merino
Um arqueólogo forense recolhe uma amostra de ADN de Julia Merino
Em toda a Espanha estima-se que existam mais de 2000 valas comuns
Em toda a Espanha estima-se que existam mais de 2000 valas comuns
Quase oito décadas depois ainda é possível resgatar alguns pertences das vítimas
Quase oito décadas depois ainda é possível resgatar alguns pertences das vítimas
Durante 60 anos, Abilio Perez visitou o cemitério por acreditar que ali estariam depositados os corpos do sogro e do cunhado
Durante 60 anos, Abilio Perez visitou o cemitério por acreditar que ali estariam depositados os corpos do sogro e do cunhado
As autoridades negaram, até recentemente, a existência de valas comuns no cemitério El Carmen
As autoridades negaram, até recentemente, a existência de valas comuns no cemitério El Carmen
Já foram descobertos 185 corpos em três valas comuns diferentes
Já foram descobertos 185 corpos em três valas comuns diferentes
Armazenamento dos restos mortais
Armazenamento dos restos mortais
Lista de execução recuperada dos registos oficiais de Valladolid
Lista de execução recuperada dos registos oficiais de Valladolid
Julio del Olmo, arqueólogo da Associação para a recuperação da Memória Histórica de Valladolid
Julio del Olmo, arqueólogo da Associação para a recuperação da Memória Histórica de Valladolid
“É imperdoável que só se esteja a fazer isto agora”, diz o arqueólogo Julio del Olmo
“É imperdoável que só se esteja a fazer isto agora”, diz o arqueólogo Julio del Olmo
Em muitos casos já não existem familiares com que seja possível comparar o ADN dos cadáveres
Em muitos casos já não existem familiares com que seja possível comparar o ADN dos cadáveres