Pai à beira de um ataque de nervos
Viggo Mortensen brilha numa fábula simpática sobre o luto e a dúvida que não consegue fazer justiça ao seu empenho.
Richard Brody, da revista New Yorker, insurgia-se aqui há uns tempos contra o facto do festival de Sundance se ter tornado numa “linha de montagem” de uma ideia de “cinema independente americano” que, por trás de uma certa excentricidade procurada, é tão formulaico como as produções de Hollywood. Capitão Fantástico, segunda longa assinada pelo actor Matt Ross, é o exemplo perfeito desse “tem-te não caias” entre a vontade de contar uma história na qual os grandes estúdios dificilmente pegariam e a necessidade de a diluir para não ofender ninguém e conseguir a tão almejada distribuição.
O “capitão fantástico” do título é Ben, que vive nas montanhas do noroeste americano com os seis filhos que educa em casa e treina diariamente nas artes de sobreviver na natureza sem recorrer às facilidades da civilização. O filme acompanha o regresso da família à sociedade quando a esposa, que estava em tratamento psiquiátrico, morre e Ben se confronta com a dúvida sobre se as suas decisões foram efectivamente as melhores para o futuro dos miúdos. É um excelente ponto de partida, e Ross tem o actor ideal para encarnar Ben em Viggo Mortensen, que escolheu não ceder às tentações de Hollywood; é fácil perceber o que o atraiu a esta personagem de um pai cuja dedicação a um modo de vida alternativo parece por vezes estar à beira do fanatismo cego.
Mas Ross desbarata, por exemplo, a presença do grande Frank Langella no papel do sogro, ex-militar cuja intransigência funciona como espelho da intransigência de Ben; o realizador deixa essa porta de confronto aberta sem entrar por ela, preferindo ater-se do lado da fábula simpática e bem-intencionada sobre a importância dos valores familiares, vagamente feel-good e sublinhada a traço grosso pela música de Alex Somers (muito Sigur Rós, muito Jónsi, muito Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos). É, por isso, pena que Capitão Fantástico se fique por essa vontade de manter tudo nas meias-tintas suaves e amigáveis, porque Mortensen dá a Ben uma profundidade empenhada e dorida, porque o realizador tem mão segura nas cenas em família (os seis miúdos são uniformemente excelentes), porque há uma escuridão que está permanente a ameaçar vir ao de cima e depois nunca vem.