Toda a gente fala de um alien no Lido
O que é o monstro de tentáculos fálicos que satisfaz, e violenta, as personagens de La Región Salvaje, de Amat Escalante? É o caso intrigante do Festival de Veneza.
Do que toda a gente fala no Lido, sem chegar a conclusões, é de um monstro com tentáculos fálicos que satisfaz o prazer das personagens femininas e masculinas em La Región Salvaje, do mexicano Amat Escalante. Ele está algures no filme como num quarto escondido para as pulsões. Uma zona em que os segredos falam sem se revelarem. Caiu um meteorito. Há este alien numa casa. Por ali passam as personagens, como se procurassem superar o esquálido realismo em que habitam. É o mundo de um casal sem horizonte social e afectivo, é a escondida relação homossexual dele com o irmão dela, em que o prazer é exercido como violentação... Mas os corpos saem dali feridos. Há mortos, que prazer é esse, que atracção é essa, o que significa esse monstro? São as conversas no Lido, é o filme intrigante do concurso.
Nao é certo que Amat Escalante, neste filme que se segue ao prémio de realização em Cannes 2013 para Heli, tenha evitado que o monstro e o meteorito fiquem confinados a uma zona contígua ao filme. E que La Región Salvaje – é isso que quase hipnotiza, mas é isso que também frustra – pareça rondar de forma inquietante uma das partes que o constitui sem conseguir fazê-la sua, levando-nos a pensar, pela forma perturbadora como Escalante já se coloca no realismo, se era necessário o simulacro de ficção científica. Lembramo-nos várias vezes de outro mexicano, o Carlos Reygadas de Post Tenebras Lux (2012) – Reygadas ja produziu Escalante... –, que com aquele plano metafórico que parecia impossível, e que também não se explica com palavras, de um homem a arrancar a cabeça, entrou com ele para dentro do próprio filme. A falar de sangria, de violência social, de sacrifício, como talvez esteja a falar Escalante. Mas o que acontece é que com La Región Salvaje do que toda a gente fala é do monstro dos tentaculos.
Que é, apesar de tudo, muito mais interessante do que falar de Piuma, de Roan Johnson, segundo filme italiano em competição, que recebeu enormes e merecidas vaias. A indignação deve ser sobretudo dirigida a quem seleccionou esta comédia, sobre um par adolescente que escolhe ter um filho, que faz uma inversão fácil, esperada: tornar os adultos, na sua confusão, as crianças do filme. Piuma não o faz melhor, nos diálogos e nas situações (na sua insustentável patetice), do que as séries para adolescentes. Mesmo que tenha sido responsável pela decisão do realizador de ter um segundo filho, com a sua companheira e co-argumentista, não precisávamos dele aqui.