Ministério Público investiga falsos vistos portugueses em Cabo Verde

Portugal poderá ser a porta de entrada ilegal para cidadãos que depois seguem para outros países da União Europeia. Um juiz, um procurador da República e inspectores da PJ portugueses já estiveram em Cabo Verde.

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Em causa estão suspeitas dos crimes de corrupção passiva e auxílio à emigração ilegal Pedro Cunha/Arquivo

O Ministério Público está a investigar o Centro Comum de Vistos (CCV) em Cabo Verde por causa de um alegado esquema de emissão fraudulenta de vistos de entrada em Portugal que servirá de porta de entrada para outros países da União Europeia. A responsabilidade pela gestão do CCV cabe ao encarregado da secção consular da embaixada de Portugal na Cidade da Praia.

Em Julho, um juiz, um procurador da República e inspectores da Polícia Judiciária portuguesa deslocaram-se à ilha de Santiago, onde interrogaram e fizeram buscas domiciliárias a suspeitos residentes em Santa Catarina e na Cidade da Praia. Durante as buscas, vários documentos foram apreendidos. Esta operação contou com a colaboração da Judiciária de Cabo Verde.

A informação foi avançada pela imprensa cabo-verdiana. Fonte da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária portuguesa e a Procuradoria Geral da República (PGR) confirmaram ao PÚBLICO esta segunda-feira a deslocação dos inspectores a Cabo Verde, país onde "realizaram buscas e audições". Estas diligências foram realizadas no âmbito de um inquérito aberto em Portugal, e que se encontra em segredo de justiça. A Judiciária justifica a deslocação a Cabo Verde com a necessidade de fazer buscas na embaixada, que é território português.

A PGR revela que a diligência “de busca e apreensão” foi realizada no Centro Comum de Vistos de Cabo Verde, num processo dirigido pelo Ministério Público e em investigação no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

“Na diligência, que decorreu com conhecimento das autoridades judiciárias de Cabo Verde, participaram um juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, um magistrado do DCIAP e três inspectores da Polícia Judiciária”, acrescenta a PGR num e-mail enviado ao PÚBLICO. 

"Na mesma ocasião, em cumprimento de carta rogatória e ao abrigo da cooperação judiciária internacional, foram realizadas buscas domiciliárias. Em causa estão factos relacionados com a atribuição de vistos no Centro Comum de Vistos, investigando-se suspeitas da prática de crimes de corrupção passiva e auxílio à emigração ilegal”, acrescenta a PGR, segundo a qual o inquérito não tem arguidos constituídos, encontrando-se em segredo de justiça.

Aprovado pela Comissão Europeia em Dezembro de 2008, o CCV propõe-se criar melhores condições de atendimento aos requerentes de vistos, contribuindo para o reforço do relacionamento entre cabo-verdianos e a União Europeia. O projecto foi promovido por Portugal e tem como parceiros a Bélgica e o Luxemburgo. O CCV representa ainda a Alemanha, Áustria, Eslovénia, Eslováquia, Estónia, Finlândia, França, Itália, Noruega, Países Baixos, República Checa, Suécia e Suíça na Cidade da Praia.

A responsabilidade pela sua coordenação e gestão cabe ao encarregado da secção consular da embaixada de Portugal na Cidade da Praia, podendo vir a ser indicados, por cada um dos países participantes, funcionários destacados para ali trabalhar.

A primeira notícia sobre o caso foi avançada a 2 de Agosto pelo semanário A Semana e retomada nesta segunda-feira pelo jornal diário A Nação, com mais pormenores. A imprensa fala num alegado “esquema de emissão fraudulenta de vistos de entrada em Portugal” que servirá “uma suposta rede de tráfico de pessoas para a União Europeia a operar a partir de Cabo Verde”.

O jornal A Nação ouviu diversos cidadãos cabo-verdianos sobre o “suplício” que dizem passar para obter os vistos. Muitos acabarão por aceitar pagar “milhares de escudos” de Cabo Verde (moeda praticamente paritária ao euro) para obter o documento, ainda que de forma ilegal. E relata ainda em “longas filas de espera, demora no atendimento, falta de informações e recusa de vistos, sem qualquer justificativa”, como os principais constrangimentos que os utentes têm de enfrentar no Centro Comum de Vistos na Cidade da Praia, capital de Cabo Verde. Um quadro, segundo A Nação, que se repete, também no Mindelo, São Vicente e Santiago.

Ao criarem dificuldades ou negarem vistos, os funcionários empurrarão os cidadãos para as mãos da rede criminosa, que terá surgido de uma suposta colaboração entre funcionários da embaixada portuguesa e do Centro Comum de Vistos. 

Os jornais dizem que a “rede criminosa” recorre à falsificação de documentos para obtenção de vistos para Portugal. Os cidadãos que conseguem obter este documento seguem depois para outros países da União Europeia. A imprensa cabo-verdiana fala mesmo numa suposta rede de tráfico de pessoas para a Europa.

Esta não é uma prática nova naquele país. "No passado alguns grupos chegaram já a ser desmantelados, com funcionários despedidos, mas, passado algum tempo, o esquema volta a reaparecer, mesmo com o reforço nas medidas de segurança e protecção", escreve A Nação.

O PÚBLICO tentou falar com a embaixada de Portugal em Cabo Verde esta segunda-feira a meio da tarde, mas o telefone encontrava-se em atendimento automático, uma vez que os serviços já estavam encerrados. O responsável consular João Mendes revelou ao jornal A Nação que só a embaixadora poderá pronunciar-se sobre esse assunto, afirmando porém que está incontactável por se encontrar de férias. No entanto, João Mendes confirmou as buscas, tanto no CCV como na embaixada.

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