“Continuo a sentir que este é o meu mundo”
A selecção portuguesa da maratona tinha uma suplente de luxo, uma vice-campeã olímpica chamada Vanessa Fernandes, para quem o apelo dos Jogos Olímpicos continua a ser muito forte.
Vanessa Fernandes não veio ao Rio de Janeiro para passear, mas também não veio para competir. Era a suplente da equipa feminina da maratona e, quando conversou com o PÚBLICO, confiava na forma das suas colegas de equipa e estava segura que não iria competir. Sara Moreira e Jessica Augusto acabariam por desistir (Dulce Félix foi até ao fim e ficou em 16.º), enquanto Vanessa ficou “no banco” – não por sua decisão, explicou depois da prova. Ficou assim por cumprir uma terceira participação em Jogos Olímpicos para Vanessa Fernandes, uma suplente de luxo em forma de vice-campeã olímpica de triatlo.
Em Atenas 2004 foi oitava, prometeu que ia “partir tudo” e, em Pequim 2008, chegou à medalha de prata, faz nesta quinta-feira oito anos, em que, por coincidência, também se disputa o triatlo masculino dos Jogos cariocas e em que Portugal está representado por três atletas (João Pereira, João Silva e Miguel Arraiolos). Nesses quatro anos, tornou-se uma atleta de elite e foi consistentemente considerada uma das melhores do mundo, mas, pouco depois de Pequim, abandonou a alta competição. Tinha 22 anos, dezenas de triatlos nas pernas e na cabeça, e deixou tudo para trás. A história toda, diz Vanessa, ainda a irá contar um dia para ser um exemplo para outros, mas a sua vida desportiva ainda não acabou e parece bem lançada na maratona, em que fez mínimos olímpicos à primeira e (para já) única tentativa. Voltar aos Jogos como suplente só a fez querer ainda mais estar em Toquio 2020. Em que modalidade? Ainda não sabe.
Uma vice-campeã olímpica estar aqui no Rio como suplente. Qual é a sensação?
É completamente diferente de há oito anos. Há oito anos estava numa forma para realizar um objectivo e um resultado, aqui vim também por mérito, mas não estou aqui com nenhum objectivo em especial. Fui chamada para cá estar como suplente e, se calhar, acabo por ver um bocadinho o lado mais real dos Jogos. Há muito tempo que não tinha contacto com a grandiosidade deste evento. Mas continuo a sentir que este é o meu mundo. Mesmo. Acaba sempre por me inspirar e decidir o que quero fazer em 2020. Sinceramente, acho que acabo por dar mais valor aos Jogos do que dava há oito anos.
Ainda não decidiu o que quer fazer daqui a quatro anos?
Em Novembro, gostaria de experimentar uma maratona, porque as maratonas só à segunda ou à terceira é que sabes mesmo se aquilo é o que queres andar. Irei fazer mais uma experiência para melhorar, no mínimo, a minha marca, e depois logo vejo. Mas sei que tenho ainda uma página grande para escrever, uma história grande para completar.
Conseguir mínimo olímpico logo na primeira maratona é um bom sinal…
Foi mesmo uma coisa que aconteceu… É que não houve assim nenhum treino muito específico para um tempo de maratona. Houve apenas um treino normal para eu aguentar uma maratona. Chegando lá e conseguir fazer a marca que fiz… Aconteceu. E foi bom. Houve aquele boom… E depois foi só aquela, não consegui fazer a de Hamburgo. E pronto, fiquei por ali.
Como é que um atleta se reinventa, pensar durante anos numa modalidade e depois começar a pensar noutra…
Reinventar, é uma palavra gira. É saber aquilo que te alimenta a ti, à tua alma, ao teu espírito. É saber de onde realmente vens. E se há coisa que me dá mais felicidade é estar aqui neste mundo. Fiz triatlo, experimentei a maratona e, felizmente, ainda tenho a porta do triatlo, e ainda tenho mais portas de outros desportos. E, por isso, saber onde quero estar já é bastante bom. Basta saber onde quero estar, que me reinvento e atinjo aquilo que eu quero.
Que outras portas são essas?
Tanta coisa… Triatlo, maratona, sei lá… Neste momento estou focada em fazer maratona.
Vai ver as provas de triatlo?
Claro que sim. Sem dúvida. Ainda para mais, a prova de triatlo feminino é dia 18 e, nesse dia, faz oito anos que eu consegui a medalha de prata em Pequim. Tenho mesmo de ir ver. Tenho mesmo muito gosto em ir ver. Como muitas mais.
E falar com algumas antigas adversárias…
Sim, claro. Aqui na vila já fui abordada por alguns triatletas que eu não conheço, que são novos e que me conhecem. Eles até dizem, ‘Mas o que é que ela está aqui a fazer, a maratona?’ É reviver o mundo onde estive muito tempo.
E o que é que os rapazes do triatlo podem fazer aqui no Rio?
Os Jogos Olímpicos são uma competição muito especial mesmo. Os favoritos são aqueles que ganham e, por vezes, existem surpresas. O que temos visto é que os nossos atletas são dos melhores do mundo, têm andado lá na frente, e, por isso, tudo pode acontecer. Qualidade, espírito e talento eles têm. Acho que podemos esperar o melhor.
Alguma perspectiva de quando é que poderá voltar a fazer um triatlo?
Não. Estando na maratona, e estando na corrida, isso pode acontecer quando eu menos esperar.
Se as maratonas continuarem a correr bem…
Se correrem bem, se gostar e me sentir bem, acho que sim, vamos.
Ainda se lembra de quem era aos 18 anos, quando se estreou nos Jogos Olímpicos?
Então não me lembro? Era uma miúda e foi ali que criei o sonho e o objectivo de ir buscar uma medalha no prazo de quatro anos. Estar cá novamente não foi por acaso. Estou muito grata por isso.
A decisão de parar com a alta competição, aconteceu porquê?
Foi a paragem que eu achava que tinha de fazer. O momento das coisas tem de ser respeitado e eu tive de me respeitar a mim própria. Independentemente do que se passou ou não se passou, espero que daqui por uns anos a minha história inspire muita gente e é por isso que ainda estou cá. O meu maior desejo é que a minha história inspire as pessoas daqui por uns anos.