Making a Murderer: juiz revoga condenação e Brendan Dassey pode ser libertado
Dassey admitiu ter cometido violação e homicídio com o tio. Ambos foram condenados a prisão perpétua. Agora um juiz federal veio dizer que a confissão do sobrinho não é válida. Isto passa-se tudo nos Estados Unidos e numa série documental do Netflix que continua a causar debate.
O longo caso da família Avery com o sistema judicial norte-americano, que originou a série documental de sucesso Making a Murderer, continua activo e agora um juiz invalidou a condenação do jovem Brendan Dassey. Dassey, sobrinho do principal acusado de um violento homicídio, está preso desde 2007 e pode agora ser libertado por causa da forma como a sua confissão foi obtida: foi “claramente involuntária no sentido constitucional”. Entretanto, a série vai ter segunda temporada.
Making a Murderer é uma série documental do serviço de streaming Netflix que, em dez episódios estreados em Dezembro de 2015 conta a história de Steven Avery, actualmente a cumprir pena pelo homicídio da fotógrafa Teresa Albach em 2005. As autoras do documentário, Laura Ricciardi e Moira Demos, recuam no tempo para acompanhar a primeira condenação de Avery, um homem do Wisconsin que cumpriu 18 anos de pena por um crime sexual do qual seria depois absolvido. Libertado, interpôs um processo cível no valor de 36 milhões de dólares contra o condado de Manitowoc, onde reside e por cujo xerife fora investigado, pela sua condenação errónea. A sua história com as autoridades não ficaria por aí.
Durante esse processo, Teresa Albach foi dada como desaparecida e encontrada morta no terreno dos Avery. A tese do documentário, que encontrou grande eco no público norte-americano, era de que o diferendo da família Avery, isolada e de parcos recursos financeiros, com as autoridades policiais locais inquinou a nova investigação.
Parte essencial dessa investigação foi Brendan Dassey, que aos 16 anos e com um diagnóstico de dificuldades de aprendizagem e um Q.I. bastante baixo, foi interrogado pela polícia sem a presença da mãe ou de um advogado e confessou ter participado na violação e homicídio de Albach com o tio. As imagens do documentário mostram um sujeito, como descreve a CNN, “que parecia ansioso por dizer aos agentes o que eles queriam ouvir”, e pouco instruído sobre o funcionamento do sistema judicial ou as suas consequências. O caso tornou-se debate nacional, na esteira do efeito do podcast Serial, e muitos americanos manifestaram a sua desconfiança relativamente aoo xerife local e a alegada manipulação de provas – o caso originou petições à Casa Branca pedindo o perdão de Avery e Dassey. O advogado de defesa de Dassey, nomeado pelo tribunal e que o deixou sem acompanhamento em interrogatórios cruciais e parecia apostado em fazê-lo chegar a acordo com uma confissão, foi uma das figuras mais criticadas na visão do documentário.
Dassey negaria mais tarde os termos da sua confissão, Avery sempre negou ter cometido o crime e os visados pelas acusações dos espectadores e pela tese do documentário criticaram a forma como este foi filmado – terão ficado de fora provas e elementos da investigação, dizem, e o não-envolvimento de Avery no caso é muito questionável, argumentam. Segundo Ken Katz, o Procurador do condado de Calumet que tomou conta do caso, 80 a 90% das provas envolvidas no crime não foram mostradas em Making a Murderer.
O que pode uma série documental
Avery cumpre pena de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional no Wisconsin; Dassey foi condenado a prisão perpétua e faz 27 anos em Outubro. Agora, um tribunal federal de Milwaukee decidiu que a sua condenação não é válida e Dassey pode ser libertado num prazo máximo de 90 dias se, entretanto, o Estado não levar o jovem novamente a julgamento.
O juiz federal William E. Duffin justificou, segundo documentos do tribunal a que a imprensa teve acesso, a invalidação da condenação de Dassey pela forma como a sua confissão foi obtida. Não acreditando que os investigadores tenham tentado enganar o familiar de Avery, o seu comportamento não teve em conta as consequências constitucionais para o sujeito, decidiu o juiz, citado pela CNN.
A forma como a confissão foi obtida “foi tão claramente involuntária no sentido constitucional que a decisão do tribunal de recurso em contrário”, diz Duffin referindo-se ao recurso de Dassey junto dos tribunais estaduais, “foi uma aplicação não-razoável da lei federal claramente estabelecida”. O comportamento dos investigadores, que “repetidamente disseram que já sabiam o que aconteceu” no dia do crime e “garantiram a Dassey que ele nada tinha com que se preocupar” foram “falsas promessas reiteradas” a alguém com a idade do então adolescente, o seu “défice intelectual e a ausência de um adulto em seu apoio” que “tornaram a confissão de Dassey involuntária”.
A decisão, que não tem quaisquer efeitos na pena de Steven Avery, questiona contudo, segundo o jornal The New York Times, a sua condenação. A advogada de Steven Avery disse à Associated Press que este está encantado com a decisão sobre Dassey e que prepara neste momento o seu próprio recurso – “sabemos que, quando um tribunal imparcial revir todas as provas que temos, Steven também verá a sua condenação revertida”, disse Kathleen Zellner.
Dassey reagiu às novidades de sexta-feira ficando “grato”, segundo os seus advogados disseram ao Washington Post. Os causídicos estão “emocionados” e reforçam a importância da decisão do tribunal perante o seu recurso: “as tácticas de interrogação que podem não ser coercivas quando usadas em adultos são-no quando usadas em jovens, particularmente em jovens como Brendan, com incapacidade”, disseram em comunicado Steven A. Drizin e Laura Nirider.
Já as documentaristas, que estão a trabalhar na segunda temporada de Making a Murderer, congratulam-se pelo facto de esta notícia mostrar o sistema criminal e judicial a funcionar: "Como fizemos nos últimos dez anos, vamos continuar a documentar a história à medida que ela se desenrola.”
Making a Murderer tornou o caso de Steven Avery num símbolo dos problemas do sistema judicial norte-americano e as suas teias ao nível local, estadual e federal. O fenómeno seguiu-se ao do podcast Serial, focado num jovem condenado por um homicídio e que agora terá direito a novo julgamento, e ao virar das atenções do audiovisual norte-americano para os crimes reais, ou “true crime”, cujo maior expoente é o caso O.J. Simpson e a sua exploração em séries ficcionadas ou documentários recentes. Na revista Time, Daniel D’Addario, que acompanha o sector, considera que a revogação da condenação de Dassey “representa um feito significativo por parte do género do crime real. Ou não. Como tudo o que envolve o crime real, há aqui uma grande dose de ambiguidade”.