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Uma década perdida… mais uma

Já assistimos a este desespero e já soubemos como o contrariar. Optámos por não o fazer. E aqui estamos de novo, a lamentar, a falar em mais estudos, a encher a boca com a prevenção a que nunca se deu qualquer prioridade.

Esta cíclica calamidade que se abate sobre Portugal teve quem lhe propusesse frente há dez anos. Nessa altura, os governantes tiveram nas suas mãos uma decisão crucial para o futuro: revolucionar a prevenção e o combate ou continuar a apostar na aquisição de meios e mais meios. Optou-se pela segunda. O resultado está à vista. Perdeu-se uma década, que se soma a outras tantas recheadas de opções erradas. Poder-se-á garantir que se a decisão fosse outra, não estaríamos a viver este inferno? Talvez não, mas o caminho já estaria a ser trilhado e se há coisa que a floresta precisa – e os políticos odeiam – é dar tempo ao tempo.

Depois das chamas terem consumido 425.839 hectares em 2003 e 339.088 hectares dois anos depois, o país estava preparado para uma viragem nas políticas públicas. Com base em dezenas de estudos, relatórios e diagnósticos, abriu-se uma janela de esperança: foi apresentada uma ambiciosa proposta de um plano de defesa da floresta contra incêndios que punha a tónica na prevenção e revolucionava o combate. Uma proposta que afrontava os interesses instalados, que imediatamente protestaram. Classificada como irrealista, baixou-se drasticamente a fasquia.

Em 2006, lá se aprova um Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios que, apesar de ser uma pálida imagem daquilo que os técnicos propunham, nela ainda sobreviviam propostas cruciais. Que a seu tempo foram caindo por terra. Simultaneamente, a protecção civil ganha um fôlego renovado e daí até cá, o investimento na prevenção poucas vezes ultrapassou um quarto do dinheiro que se despejava no combate. Ou seja, deu-se sempre prioridade às consequências, adiando a resolução das causas.

Como ministro da Administração Interna, a tutela da protecção civil cabia a António Costa. Que nestes dias veio dizer que é preciso fazer na floresta o que se fez na protecção civil há dez anos. Mas esta foi uma opção que o Governo que integrava teve nas mãos e que deixou cair.  

Mas o que dizia a proposta dos técnicos do Instituto Superior de Agronomia? Apostava na prevenção de forma a tornar a floresta mais resistente ao fogo com medidas como a construção, com o apoio da Engenharia Militar, e a manutenção de uma rede básica de faixas de gestão de combustíveis (com cerca de 150 metros de largura) nas áreas florestais através da pastorícia e fogo controlado.

O combate seria mais especializado, isto é, os bombeiros teriam a seu cargo a protecção das vidas e dos edifícios e o combate no mato ficaria a cargo de sapadores florestais, mais conhecedores do comportamento das chamas nestes ambientes e das técnicas de fogo controlado ou de combate manual. Previam-se, por exemplo, medidas como a constituição de 18 equipas distritais para combate a grandes incêndios ou a coordenação aérea no combate, preferencialmente pela Força Aérea, com base em cinco aeronaves especializadas, que prestariam também apoio no rescaldo.

Para o operacionalizar, propunha-se a criação de uma estrutura organizativa, eventualmente empresarial, que deveria funcionar ao mais alto nível – ou seja acima da actual divisão entre a Administração Interna e a Agricultura – e que seria constituída por 90% de operacionais recrutados entre os sapadores florestais, bombeiros e militares. Esta teria competências verticais em todas as áreas de defesa da floresta contra incêndios: silvicultura, gestão dos postos de vigia, primeira intervenção e combate e gestão do rescaldo. Com a estrutura proposta, aqueles que no Verão combatem as chamas estariam no Inverno a fazer prevenção.

O objectivo era reduzir a área ardida para menos de 0,8% da superfície florestal, ou seja, 44 mil hectares por ano. O plano aprovado pelo Governo de então levantou esta fasquia para as 100 mil. Só nos últimos dias, sem contar com o resto do ano, já se esfumaram quase 40 mil hectares.

Para conseguir pôr tudo isto de pé, seria necessário investir, até 2010, quase 700 milhões de euros. A resposta do Governo foi “não há dinheiro”. Ao que os técnicos responderam: “Os gastos até 2010 implicam um esforço adicional de 15 milhões de euros relativamente ao que foi gasto em 2004 em prevenção e combate, ou seja, é o equivalente a meio Canadair ou três quilómetros de auto-estrada”, disse José Miguel Cardoso Pereira, que liderava a equipa.

Apesar dos pesares, o plano que foi entretanto aprovado tinha valências importantes: Os Grupos de Análise e Uso do Fogo (GAUF) e o ordenamento florestal são exemplo disso. Os GAUF, que juntavam florestais e protecção civil, tiveram, nos primeiros anos, um desempenho essencial mas em 2008 já estavam a ser desmobilizados. Quanto ao ordenamento florestal, foram caindo as metas nos planos regionais, as regras foram ficando esquecidas e as plantações estão a ser autorizadas casuisticamente.

Chegados aqui, onde estamos hoje? Onde estávamos em 2003, embora com muito mais meios. E também com muito mais conhecimento. Mas o país continua a arder.

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