Voltou a dar pica ouvir música

É inegável que existe demasiada música no mundo, sendo cada vez mais complicado perceber a diferença entre aquilo que gostamos e as bandas que perdem o interesse depois de duas ou três audições. Ou ainda menos

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Umberto Cofini/Unsplash

Apesar de toda a facilidade e oferta actuais, a maioria dos ouvintes continua a aceder à música segundo a mesma lógica pré-internet: ao invés da estação de rádio ou canal de tv, escolhe-se uma plataforma e espera-se que a música boa apareça. Sem esforço, sem envolvimento, como que por milagre. Regra geral essa plataforma é o Spotify, o YouTube ou nalguns casos o Google Music. Seja qual for, nos últimos tempos parece ter contribuído mesmo para diminuir o interesse nos downloads ilegais, que já parecem envolver quase tanto trabalho como largar o ecrã mais próximo e ir à loja comprar um disco. Todas essas plataformas têm em comum o facto de, em maior ou menor escala, oferecerem grupos de algum modo já estabelecidos. E no naufrágio musical de agora, é cada vez mais difícil conhecer bandas novas que não se limitem a seguir tendências, que tenham personalidade, algo a dizer e não estejam apenas obcecadas com a faturação ao fim do mês.

Apesar disso, nem tudo está perdido, não quando existe o Bandcamp. Políticas financeiras à parte, o Bandcamp é, no séc. XXI, o local mais parecido com uma sala de concertos nos anos 90, com bancas onde escolher discos e merchandising acompanhados de amigos com quem discutir sobre qual das bandas refundidas é a melhor. Ainda que divido por géneros e sub-géneros, o valor de digging do Bancamp é elevadíssimo, e o facto da sua segmentação música ser tão falível, ainda alimenta mais o factor de imprevisibilidade na descoberta. Até porque não são raros os casos de bandas que surgiram no Bandcamp, como o grupo punk transexual queer G.L.O.S.S. (Girls Living Outside Society’s Shit). Uma vez descoberta a banda da década no Bandcamp, é praticamente impossível a qualquer melómano não explorar exaustivamente a plataforma de uma ponta à outra, nem que seja para ouvir na diagonal cada disco cuja capa desperte interesse. Sim, porque as capas voltaram a ser tão importantes como o som. Além desse jogo das capas, à sensação de alternativa, acresce o facto de géneros considerados marginais como o Drone ou o Grindcore, e outros considerados datados como o Gótico ou o Industrial, proporcionarem bandas que vale realmente a pena ouvir. Depois claro, há o factor sexy de serem bastantes os discos pelos quais se pode pagar o que for desejado (sendo o mínimo zero), assim como o regresso do disco enquanto objecto-fetiche, seja enquanto edição limitada, seja em formas e feitios pouco comuns como 8’’ ou LP Box. Isto já para não mencionar a elevada oferta de KA7s, e claro, a volta dessa coisa garageira que são as Demos.

Mais excitante ainda é poder ouvir bandas sem nenhum ponto de referência, sobre as quais nada sabemos, nunca nada foi escrito ou dito e a única forma de saber se se gosta, é ouvindo. Uma e outra vez, tantas quando for preciso. Como antigamente, até à exaustão. Porque finalmente voltou a dar pica ouvir música.

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