Louis inventa a sua maneira de ser Garrel
É um filme discreto, como se ao high profile que Louis hoje tem como actor o Louis-realizador quisesse contrapor uma espécie de silêncio.
Louis Garrel, filho de Philippe, não faz o cinema do seu pai. Mas evoca-o, numa cena de reconstituição de um confronto entre polícias e estudantes no Maio de 68 (a rodagem do que é quase um “filme no filme”), vénia a um filme como Os Amantes Regulares, onde Louis tinha o papel principal — o de “duplo” autobiográfico do seu pai. É só um detalhe de Os Dois Amigos, estreia de Louis na longa-metragem (já rodara uma curta, com a mesma tripla de actores, ele próprio, Vincent Macaigne e Golshifteh Farahani), mas é o sinal mais claro da sua “inteligência simbólica”: evocando o cinema do pai mas remetendo-o para uma dimensão exterior (é apenas uma reconstituição, “cinema” dentro do filme), fica com o caminho livre para se desembaraçar do peso das expectativas e das heranças.
O que ele quer fazer é outra coisa, menos vincada, mais leve e mais “elástica” do que os filmes de Philippe, uma história sentimental que passa por vários tons sem nunca levar nenhum ao extremo, um mergulho num registo realista, ou mesmo naturalista, onde sobressaiem os actores, as relações entre os actores, e as relações entre os actores e as personagens. Não quer dizer que “corte”, nem até com uma possível inspiração no lado mais desenvolto da nouvelle vague: a presença da (e na) rua, a sensação de liberdade que se desprende do trabalho dos actores, mesmo o parentesco narrativo (a “amizade/amor”, obviamente complicada, entre dois rapazes e uma rapariga) com um filme como o Jules e Jim de Truffaut (mas o argumento, escrito por Garrel e Christophe Honoré, é inspirado nos Caprices de Marianne de Musset). Louis não “corta”, mas afirma-se como rapaz do seu tempo, e Dois Amigos é um filme contemporâneo, com mais afinidades com o presente do que com qualquer coisa que esteja para trás.
Pensando o filme na perspectiva de alguém que se chama Garrel e quer realizar filmes, a inteligência da proposta parece inegável. Os Dois Amigos tem a aparência simples e maleável de um filme que avança ao sabor da “anima” dos seus actores, ensaiando um romantismo semi-burlesco (a cena em que a rapariga, que está a cumprir pena de prisão em regime aberto, é “raptada” pelos rapazes e impedida de voltar à prisão) bem alimentado pela química estranha que se gera entre o trio — e sobretudo entre os dois homens, Louis com o seu perfil de galã, Macaigne com aquela allure de cão abandonado — mas a que não falta uma gravidade, um grão insidioso de mal-estar. É um filme discreto e sem truques, como se ao high profile que Louis hoje tem como actor o Louis-realizador quisesse contrapor uma espécie de silêncio. Não é extraordinariamente promissor, mas também não é nada desencorajante.