Um futuro inclusivo
Uma Europa de dispensáveis não pode chegar longe.
As consequências do "Brexit" estão longe de poder ser avaliadas em toda a sua extensão, mas há um aspecto que já traduz até que ponto podem chegar os demónios libertados por campanhas de ódio e de rejeição ao outro. Em pouquíssimos dias, a polícia britânica confirmou um aumento de 57% nas queixas de incidentes racistas, traduzidos em agressões, propaganda xenófoba e ameaças de toda a espécie, mas apesar de a ordem ser tolerância zero contra estas atitudes, a insegurança está instalada nas comunidades imigrantes e junto das minorias étnicas, mesmo que muitos sejam cidadãos britânicos. Fortalecida pelo voto popular, a extrema-direita apresenta-se agora provocatoriamente sorridente no Parlamento Europeu, quer lançando previsões catastróficas, como fez Nigel Farage, quer exultando em condescendência cínica, caso de Marine Le Pen.
Os extremismos aproveitam, assim, divisões e feridas há muito abertas no seio da União Europeia. A tal ponto que nem agora, perante a catástrofe, os dirigentes comunitários conseguiram dissimular a cacofonia das reacções. Jean-Claude Juncker não disse o mesmo que Angela Merkel, que disse o contrário de François Hollande, que conseguiu ser mais duro que Donald Tusk. A própria coreografia das reuniões de alto nível que se desenrolaram na sequência do referendo ilustra bem o quanto a hierarquia do poder em Bruxelas é cada vez mais definida e indisfarçável: uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos seis países fundadores; um encontro a três, em Berlim, entre Merkel, Hollande e Renzi; finalmente, o Conselho Europeu a 27. É (ainda) possível acreditar nesta União? Ontem, o comissário europeu Carlos Moedas falando nas consequências do Brexit, pedia aos microfones da TSF que as atenções se concentrem no futuro. De todos? “É importante focalizar-se na nova geração que se identifica com o projecto europeu, que tem uma identidade europeia”, disse. Significa isto que há uma geração dispensável? Assim não há Europa que dure.