Lição de história
Matthew McConaughey não consegue salvar uma lição de história que sucumbe ao peso da sua própria importância: Estado Livre de Jones.
Quando se é miúdo, há aquela tendência para só se querer o hamburger e as batatas fritas e os doces e o gelado e não querer comer os legumes nem as frutas. Os coitados dos pais lá têm de arranjar maneira de fazer os miúdos comer aquilo que lhes faz bem, mesmo que eles não saibam que lhes faz bem ou que não queiram. É um bocado essa a sensação com que se sai de Estado Livre de Jones, uma dose maciça de espinafres e cenouras que parece tão calculada à medida dos Óscares que até irrita. É um filme clarissimamente importante pela abordagem alternativa que propõe à história americana da Guerra Civil, mas é cinematograficamente tão banal e sisudo que acaba por sucumbir sob o peso dessa “importância” temática.
E que não haja dúvidas que é uma história fascinante – e verídica, validada pela consultadoria de uma dezena de historiadores – que aqui conta o argumentista e realizador Gary Ross (Pleasantville, 1998; Nascido para Ganhar, 2003; Os Jogos da Fome, 2012). Newton Knight, ferreiro do Mississippi e voluntário nos exércitos do sul, desencanta-se no campo de batalha com a hipocrisia de uma aristocracia sulista que usava os mais pobres como carne para canhão mas protegia os seus de abandonar as plantações. Knight desertou e aos poucos instaurou uma comuna rebelde, onde negros foragidos e brancos desiludidos fizeram causa comum contra a Confederação em nome da igualdade social. A sua utopia – o “Estado Livre de Jones” do título – nunca foi reconhecida depois da guerra, nem pelos sulistas ressabiados pela derrota e capazes de tudo para regressar ao status quo, nem pelos unionistas do norte, ficando como uma experiência primitiva de socialismo de rosto humano sem igual na história americana.
Desta história fascinante, contudo, Ross nunca consegue fazer mais do que uma banal sucessão de episódios dramáticos desarticulados, centrados no idealismo quase desesperado de Knight, que Matthew McConaughey ilustra com empenho mas numa luta tão vã como a do homem que encarna. Rodeado por personagens que nunca têm “tempo de antena” suficiente para transcenderem o boneco utilitário, o actor não consegue transportar sozinho um filme por demais didáctico; é certo que Estado Livre de Jones contribui grandemente para um novo olhar sobre a história americana e desmonta muitos dos lugares-comuns que continuamos a ter sobre a Guerra Civil ou o sul dos EUA, mas Ross nunca consegue dar-lhes um enquadramento dramático ou narrativo que arrebate ou sequer interesse o espectador (ao contrário, por exemplo, da visceralidade dos 12 Anos Escravo de Steve McQueen ou da violência do Django Libertado de Tarantino). Estado Livre de Jones é uma lição de história cujo valor nutritivo não está em causa, mas que não é capaz de propor um objecto artístico consistente para lá disso.