Venezuela
Venezuelanos "matam a fome" na Colômbia
"Já não aguentamos mais", diz à Reuters Talia Carrilho, venezuelana às compras na cidade Puerto Santander, na Colômbia. Pernoitou à entrada da loja e acordou em sobressalto; outros clientes, na mesma fila, foram assaltados. O cenário repete-se à porta de outros estabelecimentos comerciais. "Não tenho nada no frigorífico", lamenta Gloria, 48 anos. Atravessou a fronteira na esperança de comprar arroz, açucar e café para a sua família de oito. "No último mês a situação tornou-se mais crítica, é impossível encontrar o que quer que seja." À medida que a crise financeira se intensifica na Venezuela, agravam-se as situações de carência. Comida, medicamentos e produtos de higiene são bens escassos e é no mercado negro que os venezuelanos encontram solução para o problema. Centenas de pessoas atravessam diariamente a fronteira com a Colômbia a fim de se abastecerem de produtos que são, posteriormente, vendidos na Venezuela a preços altamente inflacionados. Um quilograma de arroz tem o preço tabelado pelo governo de 120 bolívares, mas atinge, no mercado negro, 2000 bolívares, valor que equivale a um quinto do ordenado mínimo nacional. Entrar na Colômbia, no entanto, não é fácil. Nicolás Maduro, o Presidente venezuelano, mandou fechar a fronteira, em 2015; destacou exército e polícia nacional para impedir a circulação de pessoas e as trocas comerciais entre os dois países. Desde então, a pasagem requer engenho ou dinheiro extra para o suborno de oficiais — e os cidadãos venezuelanos formam filas diante dos operacionais de Maduro para tentar a sua sorte. Muitos também se aventuram por caminhos sem vigia, mas com barreiras naturais dissuasoras, como se vê pelas fotografias. "Na Venezuela não resta nada, apenas fome. É a Colômbia que nos tem valido", diz em declarações à agência noticiosa um contrabandista de 30 anos. Parte dos bens que adquire nas lojas colombianas fica na posse da própria família; o resto é revendido em Caracas ou no estado vizinho, Táchira, onde a escassez está a provocar uma série de tumultos nos locais de abastecimento: ainda há pouco tempo, uma mulher foi assassinada numa rixa num supermercado. Ali ao lado, porém, Puerto Santander prospera. Porque "não há nada na Venezuela", como diz o dono de uma loja que vende exclusivamente a venezuelanos. O facto não deixa de ser irónico, já que, antes da crise, o contrabando se fazia no sentido inverso: os venezuelanos compunham os seus parcos salários revendendo bens subvencionados pelo Estado em território colombiano. Ana Marques Maia
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