Fotografia
Peregrinação a Fátima: entre a devoção e os excessos
Quando o fotógrafo John Gallo decidiu acompanhar a peregrinação rumo ao santuário de Fátima, levou consigo algumas perguntas: o que move mais de 200 mil peregrinos todos os anos? Uma devoção religiosa profunda, o pagamento da parte do 'negócio' feito com Fátima, os dias de convívio ou a mera tradição? John Gallo encontrou resposta para algumas das suas questões longe da fé, da união e do sacrifício, escreve, referindo que no caminho se deparou com "circo, álcool e excessos", onde o aspecto do negócio está cada vez mais presente. E dá um exemplo: por uma quantia de 100 a 200 euros por pessoa — o valor cobrado depende da distância a percorrer —, serviços de transporte privados fornecem apoio aos peregrinos, transportando os seus pertences e mantimentos, preparando e distribuindo refeições, descreveu. "Eles só têm de caminhar", disse em entrevista.
Nos grupos mais numerosos, o consumo de álcool é excessivo e "há mesmo quem faça todo o percurso em estado de embriaguez", garante. Apesar da extrema dureza do percurso, muitos peregrinos convivem até tarde, dando-se a poucas horas de descanso. "Em determinados casos, aquilo a que se assiste é a uma festa andante, um convívio entre compinchas. No meio de tudo isso, a fé tem pouca expressão." Não querendo generalizar, o fotógrafo descreve também casos de grupos, geralmente menos numerosos, que se fazem acompanhar de música religiosa durante todo o percurso e que cumprem um determinado número de orações diárias.
"Nas proximidades do santuário, todos os grupos se transfiguram. O silêncio apodera-se de todos eles e alguns fazem mesmo o restante caminho descalços." Gallo refere ainda a questão da sinistralidade. Os acidentes, nos dias que antecedem o 13 de Maio, são frequentes e inevitáveis. Não existem dados publicados relativos ao número de mortos e feridos resultantes da operação "Peregrinação Segura", levada a cabo pela GNR, nos dias que antecederam as celebrações em Fátima, em 2015, mas há ainda memória do acidente que vitimou cinco peregrinos no dia 2 de Maio do mesmo ano, entre outros que causaram feridos graves e ligeiros. Em jeito de remate, Gallo deixa a pergunta: "São os peregrinos ainda o epítome da devoção ou estamos a embarcar numa fanfarra de ilusão colectiva, que serve para alimentar os média com imagens fortes mas sem substância?" Ana Marques Maia