“Siga a Marinha” nas redes sociais: o humor não é falta de respeito
A presença da Marinha Portuguesa no Facebook pode ser surpreendente. Tem humor, sem perder a postura. Está sempre na crista da onda com subtileza q.b.. "A boa disposição não tem de ser sinónimo de falta de respeito", diz a primeiro-tenente Carla Morais que vê nas redes sociais uma forma de "humanizar" a instituição
Na sexta-feira santa, uma rima: “Mesmo no feriado, o mar nunca está fechado.” No Dia da Mulher, outra, bem peremptória: “O lugar da mulher é onde ela quiser.” E no do beijo, mais uma, com um “smiley” e duas crianças abraçadas à mistura: “Um beijo de um marinheiro estremece o mundo inteiro.” Num aguerrido Benfica-Porto, vemos uma imagem dos navios NRP Águia e NRP Dragão, sempre “vencedores”, pelo menos no mar; dias depois é São Valentim e, quem diria?!, não é que uma fotografia de uma manobra de reabastecimento pode ser comovente? Já para nem falar da legenda: “Um dia feliz a todos os que estão atracados ou navegam de mãos dadas e também aos que continuam à procura do seu porto seguro.”
A presença da Marinha Portuguesa nas redes sociais, em particular no Facebook, de onde foram retirados os exemplos acima, pode ser surpreendente. Tem humor, sem perder a postura. É sóbria, mas não é cinzenta, mesmo quando assinala de forma emotiva eventos como o Furacão Alex nos Açores (“O Alex hoje não tem amigos”) ou a tragédia de Entre-os-Rios. Está sempre na crista da onda com subtileza q.b.. Prova disso é a referência ao mais recente escândalo que abalou o mundo: “Sabia que? O panamá é um dos elementos que integra o uniforme dos marinheiros.”
Um discurso que, à partida, pode não ser o que se espera de um ramo das Forças Armadas. Mas porque não?! “Talvez a ideia que as pessoas têm dos militares seja demasiado séria e não imaginam que também podem ter o seu lado mais humorístico, mas também mais emocional.” Fala a primeiro-tenente Carla Morais, do serviço de Comunicação, Informação e Relações Públicas (CIRP), ao telefone com o P3. É este gabinete, composto por nove pessoas (ver foto à esquerda), o responsável por, entre outras coisas, gerir o Portal da Marinha e as redes sociais, área a que Carla tem estado “ultimamente” mais dedicada. “Mas”, repete um par de vezes, é um “trabalho de equipa”, em que todos remam para o mesmo lado em prol de uma estratégia: “Desmistificar, mas sobretudo mostrar a vida de ser militar, neste caso da Marinha.”
Formalidade e humor
O site é o “principal veículo oficial [de comunicação]”, mas se a sociedade está nas redes sociais, a Armada portuguesa "também tem de estar”. Há que apanhar a onda, não é? A instituição tem conta no YouTube, somando quase 3.500 subscrições, Twitter, Flickr e Instagram, mas é no Facebook que tudo vai de vento em popa: quase 200 mil “likes”, uma cronologia detalhadíssima que remonta a 1143 (“as redes sociais são do século XXI mas a Marinha tem um passado muito relevante”) e muitos “posts” a roçar a viralidade. Os dois campeões são o do Dia da Mulher de 2015, com 26 mil “likes” e 12 mil partilhas, e o vídeo de Dulce Pontes a interpretar “O Amor a Portugal” com a Banda da Armada, com quase 18 mil partilhas. Praticamente todos os conteúdos, dos vídeos às fotografias, são de produção própria.
“As redes sociais”, começa Carla, “têm um papel fundamental que é o de humanizar”. Possibilitam dar uma "cara à instituição”, reforçar “que são pessoas que fazem a Marinha” — já em 2013 Paulo Ornelas Flor, também ele a gerir o Facebook da PSP “com formalidade e humor”, dizia ao P3 que estas plataformas permitiam mostrar que os polícias “são muito mais do que fardas, muito mais do que carros-patrulha”. Através delas, as entidades institucionais podem dar a conhecer “várias facetas”. “A Marinha é séria como toda a gente espera, mas também é bem-disposta”, frisa a primeiro-tenente, e o discurso no Facebook reflecte-o: tanto há anúncios de concursos de recrutamento e de início de missões, como simples votos de bom fim-de-semana. “A boa disposição não tem de ser sinónimo de falta de respeito ou de rigidez, pelo contrário; é importante ter humor, ter simplicidade e conseguir chegar às pessoas respeitando todas as características da instituição”, conclui Carla.
Mas nem sempre tudo é um mar de rosas. Há o outro lado das redes sociais: a comunicação sem filtros, a exposição. Não é um problema. “Numa qualquer mesa de café, não podemos responder. Ali sim.” É o que fazem, seja no email, telefone ou nas outras plataformas. Só no Facebook, recebem cem mensagens por mês; nenhuma fica sem resposta. De tal maneira que já deu azo a situações curiosas: a família de um marinheiro que estava em missão escolheu a caixa de mensagens privadas para enviar as primeiras fotografias do seu filho, acabadinho de nascer. “Foi um orgulho”, diz Carla, entre risos, “dar uma novidade tão boa, até porque havia outros meios para fazer chegar a notícia”. A “proximidade” do público também é procurada através de outras formas, por exemplo sessões online de perguntas e respostas sobre o recrutamento na Marinha ou simples apelos ao envio de fotografias de determinado navio ou, até, do mar. Mais uma metáfora marítima, como resumo: “O nosso público tem levado este navio a bom porto.”
"Siga a Marinha"
O mar, claro, é a bússola de toda a comunicação, assente sempre no “espírito naval”. “Só assim faria sentido”, diz Carla, que já na infância, passada na margem sul, ficava a ver navios (literalmente) em direcção à Base Naval de Lisboa. O bichinho ficou. Em 2002, recém-licenciada em Comunicação Social, ingressou na Marinha, cumprindo assim um “sonho” que entretanto já abandonara. Hoje, com 37 anos, tem também uma pós-graduação em Comunicação de Crises e está a frequentar o último ano de Direito em regime pós-laboral.
Continua a acreditar numa frase de Platão que cita a dada altura da entrevista: “Existem três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar.” Porque a vivência no mar é “diferente” de tudo. “Num navio, não encostamos e vamos à estação de serviço. Somos nós, os que estão ali, que vamos levá-lo. Requer união, camaradagem. No mar só nos valemos uns aos outros.” Esse “espírito de grupo” fascina-a desde criança, tal como o mar, que “sempre foi o que mais definiu Portugal” e, quiçá, a língua portuguesa — basta olhar para a imensidão de expressões que inspira (algumas espalhadas por este texto). No Twitter, a Armada usa uma pequena frase bem popular que, de tão perfeita, parece que “nasceu uns séculos antes” só para este mundo das redes sociais: “Siga a Marinha.” Como não?