O Mediterrâneo, uma prioridade da política externa portuguesa
É essencial valorizar a União para o Mediterrâneo, de que Portugal faz parte juntamente com outros 42 países.
A política externa portuguesa tem várias prioridades, todas bem definidas: a integração europeia; a ligação transatlântica; o relacionamento com a África e a América Latina e com todos os países de língua portuguesa; a ligação com as comunidades residentes no estrangeiro; a internacionalização da economia, da língua e da cultura portuguesas. A atenção ao Mediterrâneo inscreve-se, naturalmente, no ponto de intersecção da Europa, como tal e especificamente do seu flanco sul, com a vasta região do Norte de África e do Médio Oriente.
Foi no quadro desta atenção que realizei recentemente visitas bilaterais a Marrocos, Tunísia e Argélia e participei na reunião de Limassol do chamado Med-7, que é a plataforma informal de encontro regular dos ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Malta e Chipre. A ação de Portugal no âmbito da política de vizinhança a sul da União Europeia, defendendo a intensificação das relações com os países do Magrebe e o empenhamento na estabilização da Líbia através de um processo de diálogo político nacional, justifica-se também por essa mesma atenção.
As nossas relações com cada um dos países árabes do Norte de África são importantes a vários títulos. Por ligações histórico-geográficas evidentes, bastando recordar a proximidade física entre Lisboa e Rabat. Pelo nível de comércio e investimento já atingido, representando atualmente Marrocos o segundo cliente de Portugal em África e o quinto extracomunitário, e a Argélia, respetivamente, o terceiro e o sexto. Pelas potencialidades de crescimento das relações económicas, seja em termos de investimento ou de exportação – e, portanto, pela importância destes mercados para a internacionalização da nossa economia e a diversificação dos seus destinos e parcerias. Pelos laços culturais, de que se destacam os leitorados portugueses em universidades marroquinas, tunisinas e egípcias, o projeto de integração curricular do português como língua de opção no ensino secundário tunisino e a cooperação na área do património cultural.
Mas ainda mais importantes são os fatores de natureza política e de segurança. E esses devem ser apercebidos no plano multilateral, porque tocam diretamente à interação da Europa com o Norte de África e o Médio Oriente. Isto é, dizem precisamente respeito ao Mediterrâneo enquanto tal. Os processos políticos em curso, como a transição democrática na Tunísia, no essencial já institucionalizada, as reformas em Marrocos ou a normalização no Egito, interessam a toda a região. A crise aguda da Líbia e a sua vulnerabilidade face ao avanço do Daesh, assim como, um pouco mais a sul, as instabilidades várias no Sahel, o persistente problema palestiniano, os conflitos entre potências regionais no Golfo, a desintegração da Síria e a enorme pressão que coloca sobre países como o Iraque ou o Líbano, constituem outros tantos focos de insegurança, com efeitos devastadores sobre a ordem internacional. As raízes e os locais de implantação das organizações terroristas mais temíveis, como o Daesh ou a Al Qaeda, estão aqui – e são conhecidas as suas conexões com certos meios sociais, políticos e teocráticos radicados no interior da União Europeia. A dimensão humanitária destes problemas é catastrófica e não é possível travar a pressão para migrações descontroladas sem enfrentá-los. Por tudo isto, bem se pode dizer que a fronteira de segurança da Europa está, a sul, em todo o Mediterrâneo.
O combate sem tréguas ao extremismo violento e ao terrorismo não dispensa, certamente, a ajuda humanitária àqueles que são suas vítimas e das autocracias que atacam os seus próprios povos, bem como das guerras civis e dos conflitos interétnicos e interreligiosos. Mas também não pode dispensar a intervenção político-diplomática em favor do diálogo político, da securização e estabilização, da capacitação institucional, do respeito pelos direitos humanos, a liberdade religiosa e a diversidade confessional, da proteção das minorias e da resolução pacífica dos conflitos, nos e entre os diversos países que rodeiam o Mediterrâneo.
A palavra e a iniciativa de Portugal fazem sentido, desde logo, no quadro das Nações Unidas e da União Europeia. Mas é também decisiva a nossa participação nos fóruns que ligam o Sul europeu e o Magrebe (como o Diálogo 5+5, que agrupa, de um lado, Portugal, Espanha, França, Itália e Malta e, do outro, Marrocos, Mauritânia, Argélia, Tunísia e Líbia) ou que reforçam os contactos entre as nações europeias mediterrâneas (como o já referido Med-7). E é essencial valorizar a União para o Mediterrâneo (UpM), de que Portugal faz parte juntamente com outros 42 países, bastando pensar que é a única organização internacional em que dialogam Israel e a Palestina.
Não falta, pois, trabalho. Do meu ponto de vista, é agora prioritário, no plano bilateral, o relançamento das relações com o Egito – e por isso preparo uma visita oficial ainda este ano, que possa dar um novo impulso quer ao contacto político-institucional, quer às trocas comerciais. E, no plano multilateral, favorecer no imediato uma solução de estabilização política e de segurança para a Líbia e desenvolver, a curto prazo, o trabalho da UpM.
Está previsto para o próximo ano letivo o início, no quadro da UpM, da Universidade Euro-Mediterrânea, em Fez. Possa ele significar aqui o caminho que precisamos todos de seguir nos demais planos: o encontro e a convergência das várias civilizações e culturas que fazem o Mediterrâneo. A paz e o desenvolvimento só têm a ganhar com isso.
Ministro dos Negócios Estrangeiros