“Não fiquem na torre de marfim”, diz aos cientistas o pai dos transgénicos
Um dos pioneiros da engenharia genética de plantas esteve em Oeiras a falar sobre os desafios da engenharia de plantas no combate à fome. Defensor dos transgénicos e crítico da Greenpeace, Marc Van Montagu pediu aos cientistas para saírem à rua e irem conhecer a sociedade
É pouco frequente ouvir-se alguém das ciências naturais defender as ciências sociais. Mas foi exactamente assim que o bioquímico Marc Van Montagu iniciou a conferência que deu esta semana no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, em Oeiras. “As pessoas dizem que os cientistas não respeitam a sociedade, que não ouvem a sociedade. E isso é um facto”, disse aos cientistas o belga, nascido em 1933 e que em 2013 recebeu o Prémio Mundial da Alimentação pelo desenvolvimento das plantas transgénicas. “Nos programas das disciplinas [dos estudantes] não há contacto com as ciências sociais, com as ciências económicas. Vocês não compreendem o que é a sociedade, como é que as pessoas vivem, como é que vocês vivem.”
Esta ideia vinha na sequência dos desenvolvimentos potenciais que a biotecnologia aplicada pode trazer à agricultura e ao combate à fome num mundo cada vez mais populoso. “A sociedade quer aplicações”, frisou. Mas os cientistas só poderão dar as respostas certas “se não ficarem na sua torre de marfim nos laboratórios”, acrescentou, pedindo à plateia para fazer contactos e desenvolver colaborações, para aprender como é feita tradicionalmente a agricultura, e para identificar o conhecimento que já existe e aquele que a ciência pode oferecer.
As palavras de Marc Van Montagu têm a carga emocional da sua experiência nas últimas décadas com o debate dos organismos transgénicos. O prémio que recebeu em 2013 foi devido ao trabalho em engenharia genética de plantas da sua equipa, na Universidade de Gante, na Bélgica, no início da década de 1980.
Em traços largos, os cientistas aprenderam com a bactéria Agrobacterium tumefaciens como introduzir um gene novo nas plantas. A Agrobacterium tumefaciens infecta plantas e põe as células vegetais a multiplicarem-se anormalmente, causando tumores. Ao mesmo tempo, as células das plantas passam a produzir nutrientes importantes para a bactéria. A equipa de Marc Van Montagu descobriu que a bactéria usa um pedaço de ADN — chamado plasmídeo — para introduzir material genético no ADN das células das plantas. Em Janeiro de 1983, os cientistas conseguiram usar o plasmídeo para colocar um gene na planta do tabaco.
Não foram os únicos: pela mesma altura, Mary-Dell Chilton, da Universidade de Washington, e Robert Fraley, da empresa produtora de sementes Monsanto, fizeram o mesmo mas com a planta Arabidopsis thaliana — o modelo de estudo de eleição da biologia vegetal. Estes dois investigadores dividiram o prémio de 2013 com Marc Van Montagu.
De qualquer modo, o avanço abriu as portas para os organismos geneticamente modificados (OGM) e para toda a discussão trazida pelo movimento ambientalista que está contra os transgénicos, alegando que há outras formas na agricultura de se lutar contra a fome. Hoje, os países da União Europeia têm muita dificuldade em plantar variedades transgénicas na agricultura.
Marc Van Montagu é um fervoroso defensor dos transgénicos, alegando que ainda não foram encontradas provas de que os transgénicos tenham efeitos negativos na saúde e no ambiente. “Setenta por cento do algodão do mundo é transgénico”, explicou o investigador à plateia do auditório do ITQB, referindo-se à variedade que tem um gene que produz um insecticida contra pragas de insectos que atacam o algodoeiro. “Não tenham medo, ele [este algodão] não é assim tão perigoso”, acrescentou, em tom de piada.
Ao PÚBLICO, o cientista explicou a dificuldade de alterar as opiniões acerca dos transgénicos. “Aprendemos que não é possível provar que alguma coisa não é perigosa. Não se pode provar que o monstro do Loch Ness não existe”, disse Marc Van Montagu, que é também presidente da Federação Europeia de Biotecnologia. Para o investigador, tanto a organização ambientalista Greenpeace como outros activistas usam as emoções e o medo para colocar a sociedade contra os transgénicos na alimentação.
“A necessidade está lá”, sustentou o investigador, referindo-se aos agricultores pobres em África que poderiam ter maiores produções agrícolas usando sementes transgénicas. Segundo o cientista, pode-se evitar o controlo das grandes empresas sobre estes agricultores. “A produção de arroz dourado na Índia [rico em beta-caroteno, precursor da vitamina A] foi negociada”, exemplificou. “É apenas preciso escrever nos contratos que o preço das sementes fica naquele valor e não sobe.”