Chamar “portuguesas e portugueses” ao conjunto das pessoas com cidadania portuguesa não é um erro, nem um pleonasmo, nem uma estupidez, nem uma piroseira, nem uma redundância, como diz o M.E.C., na crónica de sexta-feira, dia 12 de fevereiro, no Público. Usar a expressão “portuguesas e portugueses” é, antes, optar por uma linguagem inclusiva não sexista. É ter preocupação em não fazer discriminações de género. É ter cuidado com o que representa aquilo que dizemos. É, enfim, utilizar uma linguagem objetiva, transmitindo a mensagem da melhor forma possível.
O masculino é um falso neutro. O masculino é masculino, o feminino é feminino. O masculino não inclui o feminino, tal como o feminino não inclui o masculino. Não “somos todos portugueses”. Há cidadãos portugueses e há cidadãs portuguesas. Sim, “somos o povo português ou a população ou a nação portuguesa”, mas “povo”, “população” ou “nação” são nomes com um único género. Contrariamente a português/portuguesa, cidadão/cidadã, humano/humana. “Ser” é um nome masculino, sem que exista um equivalente feminino. “Humano” é um adjetivo masculino que tem o seu igual feminino. Daí que, por condordância nominal, não se diga que as mulheres são seres humanas, mas se diga que as mulheres são humanas. Dizer “somos todos portugueses e basta”, é um erro. E se um só exemplo bastar, eu cá estou para comprová-lo. Eu, de facto, não sou português. Sou portuguesa.
A mim, o que me dá cabo dos ouvidos e apertos no estômago é estar numa plateia, composta por homens e mulheres (e pessoas de outros géneros, já agora), e dirigirem-se a mim no masculino. Não interessa se estão 100 mulheres e um homem, 3524 mulheres e um único macho - eu acho que até nem interessa mesmo se não estiverem machos porque, de acordo com a lógica de alguns seres que ainda vivem no passado, se há um conjunto de pessoas ele é necessariamente masculino. Pois, já se sabe, homem com agá grande representa a humanidade. Assim: simples e inquestionável, porque as regras não são para questionar, mesmo que sejam discriminatórias. O que importa aqui é questionar essa regra linguística segundo a qual o masculino no plural inclui ambos os géneros, por se tratar de algo que hoje é um anacronismo cultural. Uma língua viva evolui e que a faz evoluir é quem a fala. Portanto, somos nós que temos de a mudar. A igualdade de género é ou não uma boa razão para essa mudança?
A linguagem cumpre várias funções e está imbuída de poder. Poder esse que se situa, muitas vezes, no domínio simbólico. Usar o masculino como a regra a que se subordina o feminino patrocina a invisibilidade de metade da humanidade, tira-lhe poder, é sexista. É incompreensivelmente machista. E, isto sim, pior do que piroso, é perigoso. A lógica da dominação masculina, de que a linguagem se encontra tomada, tem servido para oprimir as mulheres. Serve a quem acha, por exemplo, que esse domínio se pode estender até à violência numa relação de intimidade. Ou, se quiserem uma notícia fresquinha a ilustrar de forma clara, justifica que um em cada três rapazes ache legítima a violência sexual no namoro.
Provavelmente, muitos dos que usam o masculino e o feminino nas situações a que o MEC se refere, como em tantas outras, são - aí estamos de acordo - machistas ignorantes. Fazem-no de forma acrítica. Constroem essas frases porque acham que lhes fica bem. A mim, que sou mulher com consciência feminista e que entendo as discriminações em função do género, sabe-me bem. Talvez porque prefira um machista ignorante e que utiliza linguagem não discriminatória a um machista intelectual que discrimina em função do género e que se orgulha disso.