Rouhani chegou à Europa trazendo na mala expectativa de grandes negócios
Empresas francesas e italianas alinham-se para conseguir contratos milionários. Levantadas as sanções, Teerão espera que proveitos do acordo nuclear não tardem a materializar-se.
Itália primeiro, França logo a seguir, recebem com a passadeira vermelha o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, que uma semana depois do levantamento das sanções internacionais está na Europa a colher os frutos do acordo nuclear. À sua espera tem centenas de empresas ansiosas por entrar ou regressar ao Irão, mercado de 79 milhões de consumidores e quinto maior produtor de crude do mundo.
A visita, a primeira de um Presidente iraniano à Europa desde 1999, carimba o fim do isolamento político e económico do país, e servirá para Teerão explicar a sua posição em relação à guerra na Síria ou ao conflito com a Arábia Saudita. Mas é sobretudo nos negócios que os olhos estão postos. E se ainda há incerteza no horizonte – os EUA mantêm em vigor parte das sanções, o que condiciona o acesso iraniano ao sistema financeiro internacional –, para as empresas europeias iniciou-se já o “novo capítulo” de que Rouhani falou quando, no dia 17, foi levantado o grosso das proibições adoptadas na última década.
Rouhani, o pragmático Presidente que estendeu a mão ao Ocidente ao mesmo tempo que convenceu o ayatollah Ali Khamenei, Supremo Líder do Irão, a abdicar de parte das ambições nucleares, chegou nesta segunda-feira a Roma, encabeçando uma delegação de 120 empresários e ministros. Mal o seu avião aterrou em Roma, e antes mesmo de ser recebido pelo homólogo Sergio Mattarella, uma fonte do governo italiano disse à Reuters que durante a sua estadia seriam assinados acordos comerciais num valor superior a 15 mil milhões de euros, incluindo um projecto para a construção de um oleoduto de dois mil quilómetros.
“Itália era o primeiro parceiro económico e comercial do Irão antes das sanções” e quer regressar a essa posição, disse recentemente a ministra do Desenvolvimento Económico, Federica Guidi. Antes de Washington e Bruxelas terem apertado o cerco económico a Teerão, as trocas comerciais entre os dois países ascendiam aos sete mil milhões de euros, um valor quatro vezes superior ao actual e que será muito bem-vindo à Itália, onde a economia continua a crescer a um ritmo demasiado lento.
Da etapa italiana, que inclui um muito aguardado encontro com o Papa Francisco no Vaticano, faz ainda parte um jantar com o primeiro-ministro Matteo Renzi e uma intervenção num fórum económico para o qual se inscreveram mais de 500 empresários italianos. “Esta é uma visita muito importante”, disse à Reuters um membro da comitiva iraniana, argumentando que depois dos anos de desencontro “é tempo de virar a página e abrir a porta à cooperação entre os dois países em diferentes áreas”.
Depois da vitória diplomática, o governo iraniano espera que o acordo nuclear se materialize o mais depressa possível – que cheguem ao país os bens até agora embargados e o investimento necessário para modernizar as infra-estruturas e reactivar a economia. Por isso, os acordos que assinar na Europa, tal como a “parceria estratégica” que anunciou no sábado com o Presidente chinês Xi Jinping, são trunfos para Rouhani usar contra os conservadores, críticos do acordo, nas legislativas de Fevereiro.
Menos calorosa do que a recepção italiana, mas não menos lucrativa, será a segunda etapa da visita. Em Paris, Rouhani vai ser recebido pelo Presidente François Hollande, que foi um dos mais intransigentes nas negociações nucleares. A França é também um dos países que mais abertamente condena o apoio de Teerão ao Presidente sírio, Bashar al-Assad, e mantém fortes relações comerciais com a Arábia Saudita, o grande rival sunita do Irão. “A confiança precisa de ser reconstruída”, disse um diplomata francês, admitindo que há pouca sintonia há entre os dois países para lá do acordo nuclear.
Mas os negócios estão já a mexer. Domingo, o ministro dos Transportes iraniano, Abbas Akhoundi, assegurou que vai ser assinado um contrato com a Airbus para a compra de 114 aviões. Há décadas que as sanções americanas dificultam a compra de aviões novos e Teerão espera utilizar boa parte dos mais de 32 mil milhões de dólares descongelados das suas contas no estrangeiro para modernizar a envelhecida frota comercial. A imprensa iraniana adianta também que a Peugeot está a finalizar uma joint-venture com um construtor local para voltar a fabricar automóveis no Irão e há grandes empresas francesas de olhos postos na modernização da rede eléctrica, dos transportes ou no sector petrolífero iraniano.
Os analistas avisam que Rouhani está a colocar as expectativas demasiado altas. “As empresas internacionais vão pensar com muito cuidado os riscos de um regresso ao mercado iraniano e, mesmo que decidam investir, vai demorar muito até que os benefícios económicos comecem a ser sentidos”, disse ao jornal Guardian Timothy Stafford, analista Royal United Services Institute de Londres. Outros, porém, questionam o regresso demasiado rápido ao “business as usual”. “Os europeus estão a tentar ver quem chega primeiro a Teerão, trocando os direitos humanos pelos seus interesses comerciais e económicos”, lamentou Tahar Boumedra, relator de direitos humanos da ONU no Iraque. Nas várias etapas da visita, Rouhani deverá ainda assim ouvir críticas aos abusos cometidos pelo país – o segundo que mais pessoas executa em todo o mundo, a seguir à China – e em Paris a oposição no exílio agendou uma grande manifestação para quinta-feira.