Rouhani e Obama saúdam "um novo capítulo” em que o Irão se abre ao mundo
Presidente iraniano fala de "página dourada na História" da república islâmica e avança novo orçamento com previsão de crescimento económico de 5%. Barack Obama diz que "diferenças sérias e profundas" persistem entre os dois países, mas "não há maneira de o Irão construir uma arma nuclear".
No chamado “dia D” da implementação do acordo nuclear internacional com o Irão, o Presidente Hassan Rouhani falou na abertura de “um novo capítulo” nas relações do seu país com o resto do mundo, tornado possível com o fim do isolamento diplomático de Teerão e o levantamento das sanções que penalizavam a economia nacional há quase uma década. Pelo seu lado, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, salientou a nova era de segurança inaugurada com a limitação das capacidades iranianas: ainda que nesta fase de desanuviamento entre os dois países, após décadas de tensão e hostilidade, permaneçam “sérias e profundas diferenças”, o acordo assegura que, de agora em diante, “não há maneira de o Irão construir uma arma nuclear”.
Depois de a Agência Internacional de Energia Atómica ter confirmado o cumprimento de todas as medidas exigidas ao Irão para a implementação do acordo nuclear negociado com o grupo de aliados ocidentais P5+1, em Viena, Rouhani afirmou que o fim do embargo comercial e financeiro constituía um “ponto de viragem”, não só em termos económicos mas também diplomáticos. “Nós os iranianos abrimo-nos ao mundo, num sinal de amizade, e deixando para trás as inimizades, suspeitas e conspirações, abrimos um novo capítulo das nossas relações com o resto do mundo”, declarou o Presidente, este domingo, numa intervenção no parlamento.
Uma mensagem semelhante foi proferida pelo seu congénere norte-americano, que numa breve declaração ao país, saudou os progressos alcançados em Viena. “Este é um dia feliz, em que mais uma vez compreendemos que tudo é possível através da diplomacia americana. São desenvolvimentos como este que nos provam que conseguimos excelentes resultados quando lideramos com força e sabedoria”, observou Obama, que espera a partir de agora o Irão saiba “trabalhar” de forma mais construtiva e colaborativa com a comunidade internacional.
Calando as vozes críticas da linha mais dura do regime, que nunca esconderam o seu desagrado pela assinatura do acordo internacional para a limitação e escrutínio das actividades nucleares do país, Hassan Rouhani defendeu a sua decisão que, nas suas palavras, trará grande desenvolvimento interno e estabilidade à região. Politicamente, o Presidente iraniano, e a sua ala moderada, têm muito a ganhar com o acordo, que praticamente lhes garante a vitória nas legislativas do próximo mês. No outro lado da moeda, terá que corresponder às elevadas expectativas.
“Escrevemos uma página dourada na História do Irão”, considerou. “Não desperdiçaremos esta oportunidade para o crescimento e desenvolvimento do país e para a melhoria das condições de vida do povo iraniano, bem como para a segurança e estabilidade da região”, prometeu, apresentando no parlamento um novo orçamento, com uma estimativa de 5% de crescimento, para a aprovação dos legisladores.
A satisfação de Rouhani com o desfecho do processo negocial foi correspondida pela população. Muitos iranianos esperaram madrugada fora pelas notícias de Viena, que foram saudadas pela imprensa nacional. “Esta noite, o povo da república [islâmica] do Irão deitou-se em paz, sabendo que na manhã seguinte acordaria sem sanções no horizonte. O muro das sanções colapsou finalmente”, congratulou-se o director do jornal Etemaad, Javad Daliri, no seu editorial.
As celebrações prosseguiram no domingo, com inúmeras mensagens de júbilo a ser publicadas pelos iranianos nas redes sociais. “É um dia de festa, sentimo-nos mais esperançosos e optimistas com o fim da crueldade das sanções. A paz de espírito fará parte do nosso futuro”, explicou à Reuters Ali Araghchi, fundador da página “Must See Iran” e sobrinho do principal negociador nuclear iraniano.
Rouhani não se esqueceu de elogiar a “paciência, dignidade e orgulho” com que a população suportou as dificuldades provocadas pelo regime de sanções. “Esta é uma vitória d todos, e não de uma facção ou grupo. Este é um acordo que só não agrada aos sionistas, a quem quer promover divisões no mundo muçulmano e ao pequeno grupo de extremistas dos Estados Unidos”, assinalou o líder iraniano, referindo-se ao Governo de Israel, à Arábia Saudita e seus aliados e à bancada republicana no Congresso dos EUA.
Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu insistiu que os aliados ocidentais cometeram um “erro histórico” ao negociar com a república islâmica, que continua a classificar como a “principal ameaça” à estabilidade e segurança do Médio Oriente. “Os iranianos estão a festejar porque conseguiram enganar toda a gente. Os americanos estão muito satisfeitos com o seu triunfo diplomático. Mas nós estamos muito preocupados, e os países do Golfo estão muito preocupados, porque é perfeitamente claro para nós que isto é só um hiato temporário nas ambições nucleares de Teerão”, disse o director-geral do ministério da Informação, Ram Bem-Barak, à rádio militar israelita.
Com a luz verde da AIEA, as medidas punitivas adoptadas pelas Nações Unidas, Estados Unidos e União Europeia por causa do desenvolvimento do programa nuclear iraniano foram levantadas, revogadas ou suspensas. Minutos depois de receber a garantia de que o Irão tinha desactivado as suas centrifugadoras, desmantelado o seu principal reactor nuclear e enviado para a Rússia toneladas de urânio enriquecido, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assinou uma ordem executiva a suspender todas as sanções relacionadas com a actividade nuclear de Teerão – uma consequência imediata é a reentrada do Irão no sistema bancário internacional.
Também a União Europeia, que já tinha aprovado a legislação necessária para a implementação do acordo, levantará as restrições aplicadas às trocas comerciais, cargas e transportes e actividade seguradora envolvendo companhias europeias e a república islâmica. Sem efeito ficam ainda as resoluções das Nações Unidas que tinham congelado as contas bancárias do regime, que valem cerca de 100 mil milhões de dólares.
Entretanto, mantém-se em vigor todas as sanções norte-americanas e europeias que não estão relacionadas com o programa nuclear do Irão, nomeadamente as que dizem respeito ao comércio de sistemas de mísseis balísticos e outra tecnologia militar, ou as que foram impostas individualmente, a cidadãos que são suspeitos de financiamento de actividades terroristas. Este domingo, o departamento do Tesouro dos EUA acrescentou o nome de onze indivíduos e companhias à lista dos abrangidos pelas sanções.
Os principais pontos do acordo
Horas antes do anúncio da agência atómica internacional, o Irão e os Estados Unidos deram conta de um acordo de troca de prisioneiros que levou à libertação de cinco norte-americanos detidos em cadeias iranianas por crimes de espionagem, ameaça à segurança nacional ou colaboração com regimes hostis, e a correspondente libertação ou retirada das queixas pendentes contra sete indivíduos iranianos que os EUA acusavam por violações do regime de sanções.
Quatro dos prisioneiros americanos – o correspondente do jornal Washington Post, Jason Rezaian, o pastor evangélico Saeed Abedini, o antigo fuzileiro Amir Hekmati e o estudante Matthew Trevithick – já embarcaram para os EUA.