Fotografia
Chade, "um dos países mais pobres e corruptos do mundo"
"O Chade é um dos países mais pobres e corruptos do mundo" e disso é testemunha Francesco Merlini, fotógrafo e editor de fotografia da Agência Prospekt, autor do projecto "Le Tchad Dense". Em entrevista ao P3, Merlini confessou sempre se ter sentido atraído pelo "misterioso país" por ser um lugar pouco visitado e praticamente desconhecido. O Chade vive uma situação política instável. A presença militar é massiva e financiada pelo governo francês com o objectivo de conter o movimento rebelde responsável pelas constantes tentativas de golpe de estado no país. "Nas últimas décadas houve algumas tentativas de golpe de estado mas os rebeldes foram sempre eliminados com a ajuda da França, que fornece ao Exército chadiano as ferramentas logísticas e de inteligência militar para evitar o desmoronamento da estrutura política do país." Desde 1996 que o poder permanece nas mãos do "presidente/ditador" Idriss Déby e do seu partido político, 'Movimento Patriótico de Salvação'. Durante a sua jornada, Merlini não observou quaisquer manifestações de natureza política. "As pessoas não falam de política nacional", comentou o fotógrafo. "Foi-me dito que, à semelhança do que acontece noutros países africanos, existe uma tendência natural da população para votar no candidato previamente eleito, a fim de evitar instabilidade." O Chade contém mais de 200 grupos étnicos distintos com estruturas sociais diversas. "A população tem medo da mudança de governo e isso deve-se sobretudo à diversidade étnica: se for eleito um representante de um grupo étnico diferente do anterior, a governação será feita em função dos interesses desse grupo e não do interesse geral da população". Foi também em nome da estabilidade que o presidente Déby proibiu a toma de fotografia no país. "Embora a constituição defenda a liberdade de expressão, o governo restringe regularmente esse direito e, no final de 2006, instaurou um sistema de censura nos meios de comunicação social." Merlini obteve autorização oficial para fotografar apenas dentro dos campos de refugiados, graças à intervenção da ONG para a qual trabalhou. Quando o fotógrafo tentou extrapolar o perímetro autorizado, foi levado à força para uma esquadra policial e o seu material foi confiscado. "Tive de pagar a oficiais corruptos para poder reavê-lo", lamentou. O italiano conseguiu, no entanto, escapar ao controlo das autoridades nas aldeias e em zonas menos populosas, onde a presença militar não era tão forte. "Mesmo nas aldeias mais pequenas as pessoas agiam de modo desconfiado por eu usar uma câmara. Poucas pessoas aceitaram ser fotografadas fora dos campos de refugiados, onde era melhor compreendido o meu papel." O Chade atravessa também uma crise de refugiados semelhante à que se vive na Europa, mas em dimensões mais modestas. "Os ataques do grupo terrorista Boko Haram nos países vizinhos levaram o Chade à criação de campos de refugiados perto do Lago Chade." Sobre os chadianos, Merlini diz ter sido surpreendido pela sua dignidade. "Vi pessoas que, apesar da sua pobreza, têm uma enorme dignidade e lutam diariamente contra a escassez de recursos do seu desprovido país. O Chade é um país de contrastes onde muito poucos ricos vivem em casas de luxo e coexistem com pessoas que nada têm senão uma cabana feita de barro e uns grãos de milho". "Le Chad Dense" contém retratos de "refugiados sem esperança, jovens malandros, agricultores teimosos, caçadores de pássaros orgulhosos, noivas diligentes e sábios anciãos", uma colecção de "fragmentos de um país em pedaços". Ana Marques Maia