Oito ensaios que não precisa de ler

Psicologia dos Comportamentos Online, com organização de Guilhermina Lobato Miranda, professora e investigadora do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, apresenta textos de 12 autores, em oito capítulos. Segundo o texto de contracapa, estes autores responderiam às perguntas sobre os comportamentos on-line que muitos de nós colocamos, mas a leitura do livro revela outra história. Não só são poucas as respostas, como em alguns casos não há sequer uma tentativa.

O grande problema da Academia e da investigação académica é ser um organismo autofágico: alimentando-se de si próprio, e do seu reconhecimento interno, a necessidade de reacção externa é nula. Psicologia dos Comportamentos Online é exemplo disso: um livro de académicos, feito para académicos, que por teimosia de um crítico curioso veio parar a uma montra não-especializada, de e para não-especialistas.

Comecemos por um problema de organização. Os três capítulos finais são retirados do livro The Oxford Handbook of Internet Psychology, o que não teria qualquer problema, não fosse esse livro ter sido publicado em 2009. Se somarmos o tempo que os textos destes autores tiveram de esperar pela publicação — aliás, as referências a outras obras que aparecem nestes capítulos datam, no máximo, de 2006 —, temos aqui três capítulos com quase dez anos, numa altura em que não havia, ou tinham expressão mínima, plataformas como o Facebook e o Twitter. As constantes referências ao anonimato da Internet são bolorentas e evocam tempos remotos de salas de chat do IRC. Hoje, vivemos uma era em que cada vez mais se incentiva (no caso do Facebook, cada vez mais se impõe) que as identidades virtuais sejam as mesmas que as reais. Encerrar esta obra com três capítulos tão datados é um lapso que só acentua os problemas deste volume.

O primeiro capítulo do livro, por outro lado, desmascara logo o objecto que temos em mãos. Trata-se de um estudo sobre os estudos da Internet, uma análise de metodologias e abordagens, problemas e soluções, que expõe a já referida autofagia da Academia. O interesse para um público geral é nulo.

Segue-se um dos mais interessantes capítulos, sobre Comportamentos Online de Crianças e Jovens Portugueses, onde, apesar de haver uma avalanche de números e percentagens e tabelas e gráficos, é possível encontrar excertos de entrevistas e se chega a conclusões, ainda que sejam mais ou menos evidentes: que os jovens se ligam sobretudo a pessoas que conhecem, que a presença on-line é muito fruto de uma pressão de pares e que, por isso, a entrada no mundo virtual dá-se cada vez mais cedo.

O terceiro capítulo, sobre cyberbullying, conclui que as vítimas deste fenómeno são, na sua maioria, crianças e jovens pouco populares, com problemas de auto-estima, com comportamentos depressivos e hostis, e que revelam facilmente dados pessoais na Internet. Quanto aos perpetradores, são também crianças e jovens inadaptados, com baixa auto-estima e tendência para comportamentos desviantes, como consumos de tabaco, álcool e drogas e actos de violência. Os autores traçam depois um enumerado de consequências, para vítimas e agressores, e sugerem algumas acções necessárias, ao nível familiar e escolar. Tudo isto é apresentado através de números, estudos, percentagens, e a sensação de distanciamento em relação às pessoas é gritante. Estamos num campo abstracto da Psicologia, em que o único propósito é encontrar padrões.

Emoção e Expressão das Emoções On-line é o mote do quarto capítulo, aquele em que a completa falta de sentido deste livro se torna evidente. Apesar do título, tem por base um estudo cujo objectivo era “analisar o estado emocional de 37 estudantes, do 1.º ano de licenciatura (2010/11), face ao modelo de ensino em b-learning, de uma escola privada de ensino superior da região de Lisboa”. Digamos que não era bem isto que o título nos fazia imaginar. Tirando o facto de ter sido escrito pela organizadora do livro, em co-autoria, não há outra justificação para a existência deste capítulo.

Para acentuar ainda mais a falta de coerência do volume, o capítulo cinco, sobre a relação da infidelidade com os novos meios de comunicação digitais, é um peixe fora de água. Telmo Mourinho Baptista, o autor, foi o único que se preocupou em fugir à Academia e escrever um texto para os leitores, que salta imediatamente à vista por não conter percentagens, nem tabelas, nem gráficos, nem sequer uma lista de referências bibliográficas. Talvez o facto de ser também o único dos autores com prática de psicólogo, em vez de se limitar à investigação, tenha motivado esta discrepância tão gritante entre o seu texto e o dos seus colegas. O seu capítulo, que é, sem surpresas, o de leitura mais rica, não deixa de ter um defeito: uma longa introdução sobre as mudanças que a Internet trouxe à vida das pessoas. Este defeito, aliás, é comum a muitos dos outros capítulos. As longas e repetitivas introduções desmascaram um dado que, de qualquer forma, já era bastante evidente: estes textos não foram concebidos para este livro. Trata-se, tão só, de uma obra que repesca uma série de ensaios académicos e tenta fazê-los funcionar em conjunto, falhando redondamente. Não apenas as perguntas propostas na contracapa ficam, quase sempre, sem resposta, como as poucas respostas que há são tão óbvias que qualquer leitor minimamente informado já as sabia.

Além da autofagia, é frequente a Academia caracterizar-se por um certo hermetismo, como se fosse condenável ser-se compreensível pelos leitores comuns. Em Psicologia dos Comportamentos Online nem isso acontece: o hermetismo reside todo em percentagens e num ou noutro termo do jargão académico; mas as conclusões são tristemente simples e a reacção que provocam é algo como: eu já sabia isto, não precisava de ter lido este livro.

Uma das características da Internet que não é referida ao longo do livro é a suposta diminuição da capacidade de concentração dos utilizadores. A informação rápida e concisa prevalece sobre a longa e detalhada, porque as pessoas “saltam” de página em página, de link em link. Daí que sejam tão populares os formatos de lista, as infografias e afins. Os cépticos e puristas acham que as listas são redutoras, que as infografias são facilitistas, mas este Psicologia dos Comportamentos Online não perdia nada se existisse só sob essa forma. Pior do que a desconexa amálgama de textos que o compõem é chegarmos ao fim com a sensação de que não aprendemos absolutamente nada. 

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