Alfredo Barroso e o gambozino neoliberal
A esquerda neo-histérica continua toda entretida com a sua caça ao gambuzino neoliberal.
Na véspera de Natal, Alfredo Barroso deixou-me uma prenda no sapatinho do PÚBLICO: um texto que me é dedicado (“Sobre o neoliberalismo fantasmagórico”), com bonitas acusações de “arrogância” e de “ignorância atrevida” por eu não estar disposto a reconhecer que o governo de Pedro Passos Coelho “virou radicalmente à direita”. Barroso, pelo contrário, sempre impressionante na sua modéstia e sapiência, declara urbi et orbi que “as políticas postas em prática pelo Governo Passos/Portas eram oriundas do mais puro e duro neoliberalismo”, apoiando-se para tal em citações de intelectuais ponderados e profundos conhecedores da situação portuguesa, como é o caso de David Harvey e Slavoj Žižek.
Meio a contragosto, sou obrigado a regressar ao tema do “neoliberalismo fantasmagórico”, não porque os comentários de Alfredo Barroso tenham ponta por onde se lhes pegue, mas porque é necessário combater a terrível moda política que se impôs entre 2011 e 2015, e que consiste em utilizar a palavra “neoliberal” como durante muitos anos se utilizou a palavra “fascista” – como uma calhoada verbal, destituída de qualquer significado apreensível. Ora, se é próprio das calhoadas serem pouco dadas à sofisticação argumentativa, elas conseguem alcançar bastante eficácia pela insistência na sua utilização. Num piscar de olhos, temos o espaço público ocupado por acusações de neoliberalismo e de defesas contra o neoliberalismo sem que haja qualquer espécie de entendimento sobre que raio quer tal palavra dizer, enquanto as discussões políticas essenciais não chegam a ser feitas porque anda toda a gente entretida na caça ao gambozino ideológico.
Podemos até dar uma borla a Alfredo Barroso e admitir que a história da palavra “neoliberalismo” é complexa e até contraditória. Mas mesmo a mais básica entrada na Wikipédia admitirá que qualquer tipo de neoliberalismo terá sempre de defender uma redução significativa da despesa pública e a diminuição do peso do Estado na economia. Se o Estado não diminui, não pode haver neoliberalismo, tal como não pode haver marxismo sem controlo público dos meios de produção ou aves sem asas e sem penas.
Imagino que nos livros de Harvey e Žižek não se encontrem dados sobre a dimensão do Estado português, mas basta um pulo à Pordata para encontrar o peso das despesas da administração pública em percentagem do PIB. Em 2005, quando o engenheiro Sócrates tomou conta do governo, esse valor era de 46,7%. Em 2011, quando Passos Coelho tomou posse, era de 50,0%. E em 2014 estava nos 51,7%. O Estado nunca teve um peso tão grande na economia. A despesa pública em Portugal ultrapassa a barreira dos 50% do PIB, o que não acontece em praticamente lado nenhum do mundo civilizado. Nós somos um dos países mais socialistas do planeta – e Alfredo Barroso acha que caímos nas garras do neoliberalismo.
Porquê tamanha confusão? Em parte, porque Passos Coelho tinha um discurso (não uma prática) relativamente liberal para os hábitos portugueses. Em parte, porque dá mais jeito atribuir as falhas do governo aos excessos de um neoliberalismo inventado do que aos abusos de um estatismo real. E assim, a esquerda neo-histérica continua toda entretida com a sua caça ao gambozino neoliberal, ignorando o verdadeiro elefante no meio da sala: o capitalismo de compadrio que PS, PSD e CDS alimentam há mais de 40 anos. Alfredo Barroso parece não saber o que isso é. No próximo texto, vou ajudá-lo.