Homossexuais e feitiçaria: suspeito de terrorismo conta a sua aventura síria

Calunga Gima foi apanhado com faca no aeroporto de Lisboa e arrisca dez anos de cadeia.

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Arguido foi detido no Verão de 2014 na pista do aeroporto da Portela Raquel Antunes

O Ministério Público tem grandes suspeitas de que recebeu treino na Síria para praticar terrorismo na Europa. Mas Calunga Gima, um angolano de 29 anos que se naturalizou holandês depois de ter emigrado para aquele país, parece ter uma ideia muito diferente da aventura que o levou àquele país do Médio Oriente, e que terminou de forma abrupta com a sua detenção na pista de aterragem do aeroporto de Lisboa no Verão de 2014, junto ao trem de aterragem de um avião que se preparava para descolar para Luanda.

A polícia encontrou-lhe uma faca com uma lâmina de 20 cm e uma agenda com as mais variadas anotações, incluindo a frase "Fui para a Síria, através da Turquia. Recebi duas semanas de treino" e um post it com a palavra ISIL [Estado Islâmico do Levante], além da referência a duas mesquitas. Porém, afirma Calunga Gima, que começou a ser julgado esta quinta-feira sob fortes medidas de segurança e arrisca uma pena de dez anos de cadeia pelo crime de terrorismo, tudo não passou de uma sucessão de mal-entendidos. Foi para ajudar os refugiados, disse, que se infiltrou na Síria, com a ajuda de “uns rapazes” que havia de perceber mais tarde que não conheciam refugiados nenhuns. Em armas diz que só pegou uma vez, quando os anfitriões lhe testaram a pontaria. Passou semana e meia com os “rapazes”, que “agiam como se fossem a polícia daquela cidade” onde ficou, na província de Idlib. Por este seu relato pouco ou nada se passou.

Fingiu ter-se convertido ao islamismo por medo e o acontecimento mais relevante desses dias foi ter percebido que havia gays numa das casas que visitou. “Percebi que eram homens sexuais. Fiquei muito chocado”, relatou. Os juízes corrigiram-no: “Homossexuais”. Fosse como fosse, a sua presença ali parecia não ter préstimo: acabou por ser devolvido à proveniência, levado de volta para a fronteira da Turquia e depois recambiado para a Holanda. Nas palavras do arguido, a aventura teria ficado por ali se não tem percebido, poucos meses depois de que um vizinho holandês lhe andava a fazer bruxaria. Resolveu então passar umas férias em Portugal, para espairecer. O problema, explicou, é que os “maus espíritos” o acompanharam: “No comboio de Espanha para Lisboa tive a certeza de que estava a ser enfeitiçado. Uma jovem que tinha entrado com um bebé ao colo sentou-se à minha frente e pediu ao bebé para dizer o meu nome: Calunga Gima”. Ficou mais de duas horas escondido na estação de Santa Apolónia, com medo. Quando arranjou quarto na cidade protegeu-se: comprou litros de vinagre, que derramou e guardou em frascos. Mais tarde, quando a polícia lhe revistou o alojamento, temeu tratar-se de uma substância letal. Mas era mesmo vinagre o que tinha empestado o edifício inteiro.

Na véspera de ter sido detido saiu do hotel com uma faca, decidido a “enfrentar a feitiçaria”. A paz chegou-lhe ao acercar-se da vedação da pista de aterragem do aeroporto: “Com o barulho dos aviões os espíritos já não conseguiam fazer maldades”, descobriu naquele momento. Num impulso, saltou a vedação com a ajuda de uma árvore e estava lá dentro. Pela primeira vez em muitos dias dormiu descansado, num edifício devoluto dentro do recinto. Depois… “começou a chatice”. Sem comida, queria sair dali, mas não sabia bem como. Veio outra vez a noite e com ela o avião para Angola. Aproximou-se da aeronave, que já tinha os motores ligados:  “Queria meter a cabeça nas turbinas, para deixar entrar aquela turbulência”. Acabou por ser descoberto por funcionários do aeroporto, e levado dali para fora pela polícia. Continua a afirmar não ser muçulmano, apesar de não comer carne de porco. Quanto à frase “Recebi duas semanas de treino", diz que a escreveu para a repetir aos amigos, quando estivessem no café. Queria impressioná-los.

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