A Líbia, próximo território do Estado Islâmico?

Governo diz saber que os novos recrutas recebem ordens para se dirigir para território líbio e já não para a Síria.

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Membros das forças pró-governamentais em Bengasi Esam Omran Al-Fetori/Reuters

Políticos e analistas estão de acordo: depois da Síria e do Iraque, a Líbia pode ser o novo terreno de expansão dos jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico. A presença do grupo no país já é bastante considerável – e ao contrário do que acontece noutros lugares, aqui muitos combatentes integram o movimento original, não são grupos soltos que declararam aliança ao Daash (também os há) por estratégia ou conveniência.

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Políticos e analistas estão de acordo: depois da Síria e do Iraque, a Líbia pode ser o novo terreno de expansão dos jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico. A presença do grupo no país já é bastante considerável – e ao contrário do que acontece noutros lugares, aqui muitos combatentes integram o movimento original, não são grupos soltos que declararam aliança ao Daash (também os há) por estratégia ou conveniência.

Transformado num estado falhado desde o derrube de Muammar Khadafi, em 2011, a Líbia tem dois governos concorrentes e está dividida em regiões sob controlo de diferentes grupos armados. O Estado Islâmico, que surgiu com força em Fevereiro, controla a cidade de Sirte (Norte) desde Maio e entretanto espalhou-se por uma zona de 200 quilómetros entre Sirte e Nawfaliyah, ao longo das fronteiras do chamado “Crescente Petrolífero”, onde se concentram os maiores terminais do país.

Da população inicial de 70 mil habitantes, sobrarão em Sirte 10 a 15 mil pessoas. As restantes fugiram para as regiões de Misurata e Trípoli.

“Temos informações fiáveis a indicar que o comando do Daash pede aos seus novos recrutas que se dirijam para a Líbia e já não para a Síria, sobretudo desde os ataques russos”, que começam a visar o grupo na Síria no fim de Setembro, diz à AFP o ministro dos Negócios Estrangeiros do governo reconhecido internacionalmente (e com sede no Leste do país), Mohamed Dayri.

Dayri falou à agência francesa de passagem por Paris e na ressaca dos atentados que na sexta-feira fizeram 129 mortos na capital francesa. “Associamo-nos aos apelos franceses e outros para uma acção internacional e uma determinação real contra o Daash, na Síria e no Iraque, mas também na Líbia, que temo venha a tornar-se no próximo território seguro do grupo”, afirmou o ministro.

Estimando que o número de combatentes do grupo no seu país esteja entre os quatro e os cinco mil, principalmente “tunisinos, sudaneses e iemenitas”, Dayri felicitou-se com a primeira operação aérea dos Estados Unidos contra o Daash na Líbia, no sábado. Mas ao contrário do que foi avançado por Washington, o alvo, morto nestes ataques, Abu Nabil, era chefe do grupo na região de Derna, capital da Cirenaica (Leste do país), não “o seu mais alto responsável” no país.

O ministro recorda que um marroquino que saíra da Líbia em embarcações com emigrantes foi detido na Primavera em Itália e é suspeito de ser um dos autores do atentado contra o Museu Bardo de Tunes, que fez 23 mortos em Março. Um tunisino por trás do ataque num hotel de Port El Kantaoui, igualmente na Tunísia, a 26 de Junho, tinha, por seu turno, treinado na Líbia. Este ataque matou 38 turistas estrangeiros na praia do hotel.

À conquista do Sul
Segundo Dayri, o Estado Islâmico pode estar a conquistar território na direcção do Sul da Líbia, o que pode permitir ao grupo coordenar operações com movimentos extremistas que actuam nos países do Sahel (Senegal, Mauritânia, Níger, Mali, Burkina Faso, Nigéria, Chade e Sudão). “Precisamos de uma estratégia que envolva o Exército líbio em conjunto com os países árabes e os países ocidentais”, defende o ministro.

Esta foi a semana em que chegou ao fim o mandato de um emissário da ONU para a Líbia, o espanhol Bernardino Léon, e começou o de outro, o diplomata alemão Martin Kobler. O anterior conseguiu a aceitação por todos de um plano para existência de um só governo que tente unificar a Líbia partida, mas está muito por fazer.

Kobler tomou posse na terça-feira, após um ano de negociações mediadas por Léon e pela Argélia. “O plano [de Léon] não era perfeito, mas era uma forma de unir os líbios, falta encontrar uma solução permanente que permita aos líbios conduzir o seu país nesta fase difícil”, disse numa entrevista ao Le Monde o ministro dos Negócios Estrangeiros argelino, Ramtane Lamamra. Uma situação que a crescente presença do Daash só vai dificultar. Junta-se agora como conselheiro a esta missão o general italiano Paolo Serra, que comandou a força das Nações Unidas no Líbano de 2012 e 2014.

Aos bombardeamentos norte-americanos de sábado seguiram-se dois dias de confrontos entre outros grupos e o Daash na cidade de Derna que fizeram vários mortos. De acordo com o Tribunal Penal Internacional, os jihadistas do Estado Islâmico mataram mais civis na Líbia do que qualquer outro movimento armado, mas todos são responsáveis por “crimes em grande escala”.