Neste laboratório estuda-se o contágio das emoções pelo suor
As nossas capacidades sociais únicas são sobretudo devidas à linguagem. Mas também às expressões faciais, posturas, gestos e… cheiros. Há um laboratório em Lisboa onde o “contágio” das emoções através do suor humano e outros tipos de comunicação humana não-verbal vão começar a ser esmiuçados.
Semin, 71 anos, nascido na Turquia, formado na Alemanha e no Reino Unido e até recentemente a trabalhar na Universidade de Utrecht, na Holanda, é hoje o director do recém-instalado Laboratório de Psicologia (Centro de Investigação William James) do ISPA-Instituto Universitário, em Lisboa. E explica-nos que, pela primeira vez, vai ser possível estudar aqui o funcionamento da mente humana fazendo interagir várias pessoas em tempo real.
“A psicologia estuda o funcionamento humano analisando as respostas das pessoas individualmente e explicando os resultados em termos individuais”, dir-nos-á mais tarde. “Mas o funcionamento humano baseia-se substancialmente em conhecimentos e acções distribuídos e partilhados” por várias pessoas.
Como é que vão simular esta situação no laboratório? Através de dispositivos “muito simples” de seguimento do olhar (eye-trackers), diz-nos Semin, ele e a sua equipa vão poder monitorizar, em simultâneo, as respostas de vários voluntários a determinadas tarefas que surgirão nos ecrãs que vimos ao entrar, “analisando como essas pessoas procuram e identificam certas mudanças visuais”. Nas experiências, os participantes terão a oportunidade de interagir entre si em certas alturas.
Uma das coisas que Semin quer saber é se os grupos de pessoas se adaptam colectivamente às mudanças em seu redor mais depressa ou mais lentamente do que uma pessoa sozinha. “Para sobreviver é preciso detectar que houve uma mudança e identificar essa mudança – e eu estou interessado em perceber os processos psicológicos envolvidos”, acrescenta.
O suor da felicidade
Mas o tema que talvez mais interesse actualmente o cientista é a comunicação – e “contágio” – de afectos através dos cheiros. Mais precisamente, o estudo do contágio das emoções por via do suor corporal.
Já em 2012, Semin e colegas da Universidade de Utrecht tinham mostrado que o suor emitido por uma pessoa que sente medo ou nojo parece produzir a mesma emoção nas pessoas que respiram esse suor. E mais recentemente, em Abril deste ano, um estudo liderado por Semin mostrou que o mesmo acontece quando uma pessoa é exposta ao suor de alguém que se sente feliz. “O suor da felicidade é um composto químico”, diz-nos Semin com um sorriso brincalhão. “Imagine que o conseguíssemos produzir…” Será que vem aí um perfume da felicidade?
Seja como for, salienta Semin, “a olfacção humana tem sido ignorada durante muito tempo – e agora, descobrimos que afinal não perdemos esse sentido”.
Esta é de facto a investigação que Semin e a sua equipa lisboeta tencionam aprofundar no futuro mais próximo – e todo o andar superior do laboratório lhe estará dedicado. Quando subimos, vemos uma série de portas que dão para pequenos cubículos individuais, cada um equipado com um computador e outros materiais necessários, onde as experiências com o suor irão decorrer. Já agora, o sistema que será utilizado para libertar os cheiros mesmo por baixo do nariz dos participantes, mantendo a sua cabeça no sítio certo, é em tudo igual àqueles suportes metálicos onde encostamos a testa e pousamos o queixo quando fazemos um exame oftalmológico.
Embora estas experiências ainda não estejam a decorrer, as fases preparativas da investigação já tiveram início há umas semanas. “Estiveram cá 48 pessoas a visionar excertos de vídeo e pedimos-lhes para nos dizer, a seguir a cada excerto, se tinham sentido raiva, tristeza medo ou alegria”, explica Semin.
Com base nos resultados, os cientistas escolheram uma série de excertos mais assustadores, mais alegres e mais neutros (tipicamente, documentários da BBC). “Temos neste momento sequências de vídeo de meia hora que evocam respectivamente medo, felicidade ou nada em particular”, salienta Semin.
A fase seguinte do processo explica a presença do monte de roupa (na realidade, são T-shirts) que nos chamou a atenção no início da visita. Trata-se de recrutar um grupo de homens (os homens transpiram muito mais que as mulheres, diz Semin) e começar por submetê-los a uma dieta estrita durante os dois dias que antecedem a sua participação na experiência. “Nada de alho, de espargos, de comida indiana, de sexo intenso, de cigarros”, diz Semin. “Temos de os ‘purificar’ primeiro”.
É nesta fase que é feita a colheita do suor, ao longo de três semanas, durante três sessões de meia hora que os homens passam a visionar os três tipos de clips. Antes de cada sessão, os participantes vestem uma das prístina T-shirt brancas, previamente equipadas de almofadinhas absorventes nas axilas. Aumenta-se um pouco a temperatura ambiente durante os visionamentos, para induzir maior transpiração – e no fim, cortam as almofadinhas em quatro e colocam-se vários pedaços provenientes de pessoas diferentes dentro de frasquinhos que irão ser devidamente preservados até à sua utilização final.
Na terceira e última fase da experiência, que segundo Semin deverá começar “daqui três ou quatro meses”, um grupo de mulheres (as mulheres são muito mais sensíveis aos cheiros que os homens, explica) ocupará os cubículos, onde cada uma será exposta – sem saber o que é nem para quê – aos diversos cheiros conservados nos frascos. Os cientistas irão então registar em tempo real e em várias condições experimentais, as expressões faciais das participantes (graças a electrodos colocados no seu rosto), bem como vários parâmetros fisiológicos de forma a analisar o efeito do suor no seu estado emocional.
“Há várias coisas que quero estudar em relação ao cheiro humano”, diz-nos Semin. “Uma delas é analisar as ‘assinaturas’ bioquímicas produzidas em diferentes condições emocionais, tais como o medo ou a alegria” – algo que a recolha do suor masculino poderá permitir fazer.
Um outro objectivo destas experiências, acrescenta, consistirá em “examinar o valor informativo dos cheiros da felicidade e do medo quando apresentados em conjunto com informações quase imperceptíveis de outro tipo – por exemplo, ao mesmo tempo que uma expressão facial de felicidade [que será visualizada no ecrã do computador]. O que quero saber é se o cheiro aguça ou não a nossa percepção da expressão de um rosto apresentado subliminarmente” apesar de não ser possível ter consciência de ter visto essa expressão.
“A linguagem é a componente mais proeminente da comunicação humana, mas existem múltiplos sistemas que contribuem para o nosso ser social”, resume Semin. “E temos de perceber como essas diferentes modalidades [de comunicação] influenciam a nossa percepção do mundo."