Europa, a miragem para lá dos muros
Calais, depois das tragédias no Mediterrâneo, é agora a face mais visível de um drama insolúvel.
Em Maio do ano passado, em Calais, dias antes das eleições europeias, uma reportagem do PÚBLICO (de Maria João Guimarães e Joana Bourgard) retratava assim a situação nesta cidade francesa: “Há centenas de pessoas à espera lá fora [fora da sala de estar do ferry ou do Eurostar], à espreita, a fazer mil cálculos de qual será a melhor maneira e a melhor altura para tentar a sua sorte. São imigrantes que já passaram muito para chegar até aqui – e agora esperam dar um pequeno salto para o destino a que querem chegar, a Inglaterra.” Passado mais de um ano, são muitos os que pensam ter escolhido “a melhor altura” para tentar a sorte. Os acampamentos improvisados continuam lá, em redor da cidade, e os que ali chegam tanto podem demorar três anos (952 dias é a média), dois meses ou mesmo uma eternidade (um homem demorou 18 anos a chegar a Calais). E depois disso o quê? A ilusão de uma miragem. Primeiro o desespero, depois a espera, por fim o desespero outra vez. O momento em que decidem tentar o salto é decisivo, 37 mil já tentaram entrar em Inglaterra pelo túnel desde o início do ano, nove morreram. À pressão, cada vez mais forte, desta vaga migratória responde a Europa com mais muros, mais segurança, impelida pela antevisão de uma catástrofe. Os que ali acampam, depois do que passaram, nada têm a perder a não ser a vida. E sem garantias de que a miragem de uma vida estável se cumpra. Mesmo chegados ao destino, ou perto dele, serão depois homens e mulheres de pleno direito ou eternos mendigos, sujeitos à frágil caridade europeia para vegetarem sem bases sólidas nem rumo? Calais, depois das sucessivas tragédias no Mediterrâneo, é agora a face mais visível de um drama insolúvel. Se hoje um espectro ronda a Europa, já não é o do comunismo (agitado por Marx e Engels no seu Manifesto, em fins do século XIX), mas o do êxodo migratório. E raramente a Europa foi hábil ou justa a lidar com “espectros” assim.