As veias abertas da União Europeia

Se a questão é dívida, é inequívoco que é necessário reestruturá-la, se é a austeridade, que recaia sobre os ricos. Se é democrática, que escolha o povo

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Christian Hartmann/Reuters

Depois da Cimeira de chefes de Estado, Alexis Tsipras foi ao Parlamento Europeu em Estrasburgo informar que apresentou medidas para introduzir reformas no país, medidas não recessivas. Disse que estas reformas iriam avançar, houvesse ou não o apoio financeiro. Os seus objectivos: combater o desemprego e destruir o clientelismo e corrupção estabelecidos pelos anteriores governos PASOK e Nova Democracia (PS e PSD-CDS locais). Antes da conciliação, Tsipras acusou as autoridades europeias de terem transformado a Grécia num laboratório social da austeridade. Atacado por sociais-democratas (o agora cão-de-fila Paulo Rangel também molhou o pão na sopa), liberais e verdes no plenário, foi o presidente do Conselho, Donald Tusk, que confirmou a chegada das propostas e lançou para o plenário que “Se querem ajudar os vossos amigos não os humilhem. Precisamos de unidade não porque a unidade seja bonita mas porque é indispensável para tomar decisões.”

Mas as decisões mais importantes foram as do governo grego, que expôs as veias abertas da União Europeia: se a questão é dívida, é inequívoco que é necessário reestruturá-la, se é a austeridade, que recaia sobre os ricos. Se é democrática, que escolha o povo. Se é política, que sejam os líderes políticos e o Parlamento Europeu a participar e não o Eurogrupo. Por isso é que Tsipras as levou à cimeira de primeiros-ministros, desvalorizando o Eurogrupo de Jeroen Dijsselbloem, o Miguel Relvas holandês. O centro do debate estará na reestruturação ou não da dívida grega e nas escolhas das “reformas”, escolhas políticas. A questão não é técnica nem nunca foi – é política e deve ser assim tratada.

Esta é a escolha que a Europa tem a fazer: continuar a exigir que os gregos financiem a dívida da banca privada alemã e francesa ou aceitar uma mudança política que transfira os riscos e os prejuízos de volta à banca privada, que foi quem perdeu o dinheiro em primeiro lugar. Dificilmente o primeiro cenário se colocará, uma vez que o mandato saído do referendo grego é para não aceitar mais a saída dos salários e pensões para pagar a dívida bancária. A saída do euro implicaria fortíssimas perdas para a Alemanha, cujo maior banco privado, o Deutsche Bank, perderia muito dinheiro e, além da dívida grega, viria ao de cimo a sua carteira de produtos financeiros derivados, no valor de 75 biliões de euros (20 vezes o PIB alemão). Se a UE está disponível para arriscar um novo LehmanBrother em Berlim, intransigir com a Grécia é o caminho para garanti-lo.

É hoje claro que os países são governados por defensores, muitos totalmente irracionais, da hegemonia da banca: os maiores agressores à Grécia são os governos da austeridade bárbara: Letónia (PIB caiu mais de 20%), Lituânia (PIB caiu 17%), Estónia (queda de 13%) e Portugal (PIB caiu 7-8%) e a própria Alemanha, que arrisca muitíssimo. Antecipando já uma catástrofe se o rumo se mantiver, a França e a Itália, próximos na fila para cair, defendem a manutenção da Grécia. Veremos em breve quem manda mais na Europa do capitalismo que se devora a si mesmo.

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