Os governantes da União Europeia continuam a jogar à roleta russa com a Grécia. A vitória do Não cria dois cenários principais: os governantes europeus aceitam abdicar da austeridade e começam uma política não destrutiva da Grécia ou insistem que a Grécia tem de ter mais austeridade, até à última consequência, e isso implica que os gregos começam a imprimir moeda própria. O Não grego encurralou o Eurogrupo e a troika: em qualquer cenário é impossível não haver contágio.
O governo grego reforçou o seu mandato no referendo, o Eurogrupo recebeu o seu da reunião entre Angela Merkel e François Hollande. A mensagem tímida foi para conseguir um acordo. A questão é que há muitos interesses em jogo. Obama deu ordem a Merkel para impedir que o euro imploda, pois está a tentar através dos anti-democráticos tratados comerciais transatlântico e transpacífico fazer contraponto à China. Para isso, precisa de parceiros “credíveis” e um euro em colapso não serve. Mas depois de anos a rodear-se de fanáticos fundamentalistas económicos, abutres oportunistas financeiros e políticos fanfarrões e vazios, é difícil a Merkel garantir a disciplina.
Os mais fuços agressores provêm do SPD, partido na coligação de Merkel, o PS da Alemanha: é o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz, que no dia do referendo ameaçava com a expulsão do euro e que agora fala em substituir a negociação por “ajuda humanitária”, como se não fossem as decisões do BCE a determinar a falta de liquidez e a troika a determinar o desemprego, a recessão e a miséria na Grécia. Depois Mario Draghi, que serve antes de mais a banca privada, ex-director da Goldman Sachs e cujos interesses levam às escolhas de impor ainda mais restrições à circulação de euro na Grécia. Depois vêm tiranetes pôr-se em bicos dos pés: Peter Kazimir, ministro das Finanças da Eslováquia que passou os últimos dias a gritar esganiçado contra os gregos, o primeiro-ministro maltês, Joseph Muscat, que vem acusá-los de irresponsabilidade. Dois ou três berros devem pô-los no lugar. E depois vêm os mais expostos aos contágios: Passos Coelho, que tende para o fanatismo ideológico dos mercados, obedecerá, como sempre, à voz do dono. Mariano Rajoy, por outro lado, sabe que o sucesso do Syriza será um importante factor para a ascensão do Podemos, tal como Enda Keny teme a subida ao poder do Sinn Fein na Irlanda. Estes governantes terão ainda pela frente que explicar aos seus povos porque é que não lutaram por eles, como o governo grego.
Mas quem disse tudo sem perceber foi Sigmar Gabriel, ministro da Economia alemão e membro do SPD: “perdoar” a Grécia significaria ter que “perdoar” Portugal, Espanha e Irlanda. A questão é essa: esquecendo o moralismo barato do “perdão”, apenas a reestruturação das dívidas da Grécia, de Portugal, da Espanha, da Irlanda (também da Itália e da França) poderia começar a resolver a crise do euro.
Se não for tratada a questão da dívida do euro, a roleta russa continuará a ser jogada e saindo a Grécia do euro, expulsa ou pelo seu pé, depois de um ‘Grexit’, os abutres do mercado virão por um ‘Portugout’, um ‘Spainintheass’, ‘Irelend’ e por aí fora. Talvez o referendo tenha mudado tanto a União Europeia que a escolha venha a ser entre ter austeridade e ter euro.
*Expressões originais de Rita Veloso