A nossa dívida à Grécia

As lideranças europeias mostraram a sua mesquinhez em todo o esplendor neste momento histórico

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Christian Hartmann/Reuters

Só se o cinismo for a nossa principal característica é que olhando para o resultado do referendo de ontem da Grécia se pode achar que o mesmo é algo senão a maior expressão da democracia, dignidade e liberdade que vimos nos últimos anos.

A Grécia viu o seu PIB cair mais de 25 por cento nos últimos cinco anos de políticas de austeridade, mais de um quarto das pessoas estão oficialmente desempregadas, incluindo mais de 60 por cento dos jovens. Na semana passada, o país sofreu um ataque sem precedentes por parte da comunicação social e uma restrição bancária severa, com o BCE a proibir os levantamentos acima dos 60 euros. Isto, apenas torna mais admirável a coragem do povo grego. Face à humilhação internacional de pagarem a crise da dívida soberana (i.e., a transferência das dívidas da banca internacional para os orçamentos de Estado), com a mais selvagem austeridade, disseram contundentemente "Não".

O cinismo não aceita coragem, bondade, solidariedade ou dignidade como motivações para tomar atitudes. O primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy explica melhor, dizendo sobre a Grécia: “Uma coisa é ser solidário e outra é ser solidário em troca de nada”. As lideranças europeias mostraram a sua mesquinhez em todo o esplendor neste momento histórico.

Desde o presidente do Parlamento Europeu que, no próprio dia do referendo, veio dizer que a Grécia teria de sair do euro se o "Não" ganhasse, até ao presidente do Eurogrupo, o Miguel Relvas da Holanda, que disse que o resultado do referendo é “muito lamentável”, passando por Cavaco Silva, o herói da aritmética do 19-1=18, todos tiveram a possibilidade de participar no triste espectáculo dado pela pseudo-elite europeia, que demonstra a deformação de carácter de conservadores, liberais, social-democratas e socialistas por essa Europa fora.

Mais do que isso, demonstra medo. Medo não só da decisão do povo grego, mas do que possam decidir os povos de Portugal, Espanha, Itália, dessa Europa fora. O referendo assusta-os, porque a democracia não redistribui só riqueza, redistribui poder.

Tecnocratas, técnicos e comentadores, os “neutros” cujas doutrinas são fabricadas para garantir a manutenção do "status quo", dirão que o povo grego tomou uma posição arriscada: arriscou-se a sair do euro, a sair da União Europeia. Para o mundo, para os povos que assistiram à coragem do povo grego, arriscou-se a voltar a ser humano, a não ter o medo como motivação de vida, a decidir mandar eles mesmos.

Há momentos em que é preciso dizer não, porque é esse não que quebra. É particularmente importante dizer não quando se sabe que o percurso leva apenas à miséria, à precariedade, ao desemprego, à submissão. Foi isso que o povo grego fez. E fê-lo não só por si, fê-lo por nós, que temos de fazê-lo também por nós próprios. Tal como dizia na Praça Syntagma um desempregado de 35 anos, Thodoros: “Digam aos portugueses que, na Grécia, lutamos também por vocês”. Obrigado. Sabemos que os nossos governantes não entendem estas palavras. Elas são destinadas a ser trocadas entre os povos.

Essa é a nossa dívida para com o povo grego. Devemos-lhes a esperança. E não é para renegociar: é para usar!

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