“Sempre exigimos ao Syriza a modernização do sector público e do sistema fiscal”
Pedro Sánchez, secretário-geral do PSOE e candidato à presidência do Governo nas eleições de Novembro, está hoje em Lisboa. Ao lado de António Costa apresenta o que denomina como alternativa económica à dos governos conservadores de Portugal e Espanha.
PÚBLICO: O PSOE recuperou poder territorial depois das eleições municipais e autárquicas de 24 de Maio com alianças com Podemos. Como fica o projecto socialista para as legislativas?
Pedro Sánchez: Recuperámos poder institucional e demonstrou-se que o PSOE é a alternativa ao Partido Popular. Fizemos um processo de renovação no partido que nos situa às portas da vitória eleitoral nas legislativas de Novembro e esperamos acompanhar na mudança política António Costa como futuro primeiro-ministro de Portugal. Não chegámos, apenas, a acordo com o Podemos, mas com o Ciudadanos e com outras forças regionalistas, o que coloca o PSOE na centralidade política. Somos o partido que garante governos fortes para uma mudança estável e coerente com o projecto social-democrata. Os acordos a que chegámos com as diversas forças políticas – Ciudadanos, Podemos, Esquerda Unida e regionalistas – são acordos de investidura.
Não de gestão?
Não, são projectos de legislatura. O plano político que se vai aplicar é a social-democracia, que é o que o eleitorado espanhol deseja maioritariamente.
A aspiração do PSOE é o centro?
É um partido de esquerda que atrai o centro.
Concluo que o PSOE convive bem com o fim do bipartidarismo?
Do que os espanhóis estão cansados é do partidarismo, que é colocar os interesses da organização política acima dos interesses gerais. Asseguro que o PSOE colocará sempre o interesse geral dos espanhóis à frente dos interesses do partido. Temos claro qual o nosso projecto, um projecto que quer um crescimento justo, a estabilidade das contas públicas e o investimento social, a reconstrução do nosso Estado de bem-estar, e um combate decisivo à corrupção. O projecto político de Rajoy [Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol] é que está esgotado como disseram os eleitores espanhóis, e tem casos de corrupção pelos quais terá de responder.
É candidato do PSOE à presidência do Governo sem primárias. Isso consolida-o ou debilita-o?
Sou filho das primárias, fui eleito no passado 13 de Julho por primárias, sou o primeiro secretário-geral de uma organização com 136 anos de história eleito pelo voto directo dos socialistas. O que explica não ter havido nenhum candidato alternativo [do PSOE à presidência do Governo] é que o trabalho foi bem feito, o que é reconhecido pelo conjunto da militância que quer que ganhemos as eleições gerais.
O Governo da Catalunha anunciou a abertura de uma embaixada em Lisboa. Qual o seu comentário?
Creio que as Comunidades Autónomas, no âmbito da Constituição espanhola, têm capacidade para uma acção exterior sobretudo veiculada aos seus interesses comerciais e a Catalunha é uma comunidade exportadora, portanto com muitos interesses comerciais. Algo diferente é que essas embaixadas sejam utilizadas para proselitismo ou para uma deriva soberanista a que o PSOE se opõe. Não posso dizer nada sobre o caso concreto, porque desconheço qual a sua finalidade.
Mas há um histórico destas embaixadas…
Há muitas comunidades autónomas com representações no mundo, que me parecem perfeitamente complementares com a política exterior do Governo de Espanha desde que seja a partir da lealdade institucional.
Quais são os principais pontos de articulação do PSOE com o PS português sobre política europeia?
Antes de mais quero comunicar um sentimento afectuoso à sociedade portuguesa, cuja identidade, singularidade e história reconhecemos como a de um país irmão e diferente. Cada qual tem as suas singularidades e problemas, mas compartimos objectivos comuns quanto à construção europeia. Desde há alguns meses, António Costa e eu, por iniciativa de quem espero seja o próximo primeiro-ministro português, estamos a elaborar um documento para a convergência de Espanha e Portugal na União Europeia comemorando o 30º aniversário da adesão dos dois países à então Comunidade Económica Europeia. A ideia fundamental é termos uma alternativa económica à dos governos conservadores de Portugal e Espanha.
Quais os eixos dessa alternativa?
Temos de apostar num crescimento económico justo, baseado na competitividade, apostamos decididamente na educação e formação profissional, sobretudo dos trabalhadores sem emprego, os desempregados de longa duração e os jovens. Há, ainda, que operar uma modernização do sector público, com legislação mais simples, com um Estado empreendedor, que dê resposta e amparo às grandes desigualdades que agora existem. Logicamente, apostamos numa administração de Justiça mais eficiente. O PSOE e o PS português querem uma reforma energética, ligada à eficiência, à redução do custo para empresas e famílias. Também a transformação de pequenas em médias empresas e destas em grandes, pois são as empresas que exportam e criam emprego. Finalmente, queremos avançar com uma agenda digital, porque estamos conscientes da revolução tecnológica que vive o mundo.
Tem receio que a situação da Grécia contagie a Espanha?
O PSOE apresentou um documento aos socialistas europeus com um guião para ajudar a Grécia. A Europa tem de ajudar a Grécia e a Grécia tem, também, de se ajudar a si própria. É necessário avançar com projectos de investimento público, não apenas na Grécia mas nos países que estão a sofrer maiores taxas de desemprego e desigualdade, com o apoio das instituições comunitárias. A médio prazo existe a necessidade de mutualizar a dívida, a via é caminhar para um tesouro público europeu semelhante aos dos Estados Unidos. O PSOE aposta numa Europa federal. Foram estes os princípios que apresentámos no documento para ajudar o povo grego, porque o projecto europeu não é apenas uma moeda, mas um projecto de solidariedade. Portanto, a União tem de ajudar a Grécia e a Grécia ajudar-se a si própria. Sempre exigimos a Tsipras [primeiro-ministro grego] e ao Syriza que avançassem na modernização do seu sector público e também no sistema fiscal para fazerem frente à situação económica e ao pagamento da dívida aos credores europeus. A realidade da Grécia nada tem a ver com a da Espanha.
Assim, não há risco de contágio?
Evidentemente que a Espanha conta com umas bases sólidas, tanto económicas e institucionais. O PSOE é um partido europeísta, governou 20 anos dos 36 da democracia espanhola, é uma esquerda que pode vencer a direita e sabe governar.
Qual é a diferença entre Luís de Guindos [ministro da Economia de Espanha] e o actual presidente social-democrata do Eurogrupo, o holandês Jeoren Dijsselbloem, a quem Guindos quer substituir?
Como espanhol e líder da oposição, desejo a Luís de Guindos toda a sorte do mundo na corrida que empreendeu para a presidência do Eurogrupo. Gostaria que, se finalmente ocupasse aquele posto, reorientasse a política económica de toda a zona euro para uma política mais expansiva no investimento público, como defendemos. Se algo fracturou a sociedade espanhola e provocou esta desigualdade foi a política da direita com as suas contra-reformas. Mas a boa notícia é que em Novembro, em Espanha, haverá uma mudança de Governo e Mariano Rajoy passará à oposição.
Porque retirou a candidatura de Enrique Barón Crespo à direcção do Partido Socialista Europeu (PES)?
Apresentámos Enrique Barón como um europeísta, não como candidato do PSOE. Infelizmente, não contou com o apoio maioritário do socialismo europeu, mas como dizia António Machado, o caminho faz-se caminhando.
Como vê o socialismo europeu sem representação ibérica?
A representação ibérica está muito bem liderada por duas pessoas como António Costa e eu. O documento que vamos apresentar na sexta-feira [hoje] em articulação com os socialistas europeus é o primeiro na história do PSE. O importante é que há dois líderes, em Portugal e Espanha, comprometidos com a construção europeia.