Voltemos ao ano de 2014 e à Lei do Orçamento de Estado (LOE) que determinou a continuação dos cortes nos salários dos funcionários públicos. Com base nesta Lei, o Governo decidiu alargar o conceito de Função Pública e incluir os trabalhadores independentes. Trabalhadores ilegais, contratados para compensar os despedimentos praticados nos últimos anos e que nunca foram reconhecidos como funcionários públicos. Nesse mesmo ano, passaram a sê-lo para o mal: cortes nas reduções remuneratórias. O Governo assume que tem trabalhadores ilegais dentro do Estado e insiste na ilegalidade ao aplicar cortes a trabalhadores que não são funcionários públicos; mas, sim, falsos recibos verdes.
Em Maio de 2014, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a (in)constitucionalidade do artigo 33º da LOE que determinava os cortes nos salários (Acórdão 413/2014), defendendo que esta norma se traduzia numa restrição do direito constitucional à retribuição. Entrelinhas, um sacrifício desajustado à realidade.
E o pior aconteceu. Mesmo com o Tribunal Constitucional a decidir o fim dos cortes, o Governo emitiu um Despacho a 25 de Junho de 2014 com orientações sobre como aplicar essa decisão. Surpresa? Os cortes seriam retirados a todos os funcionários públicos, menos aos trabalhadores a recibos verdes. No ponto 1.3 desse despacho, o Governo – com toda a lata que lhe é característica - afirma que os contratos de aquisição de serviços continuariam a estar sujeitos à redução remuneratória prevista no artigo 33º da LOE de 2014.
Perante este descaramento, a Associação de Combate à Precariedade viu-se motivada a apresentar uma providência cautelar, sob a forma da ação popular (instrumento de democracia direta previsto no número 1 do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa). O intuito? Exigir o fim dos cortes nos salários dos cerca de 30 mil trabalhadores a recibos verdes ao serviço da Administração Pública; para que a decisão do Tribunal Constitucional fosse respeitada no seu todo. Esta ação foi apresentada em Julho de 2014 e, um ano depois, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa considerou que a pretensão de defesa destes trabalhadores não podia ter seguimento.
O que era suposto ser uma ação popular a fim de questionar e fiscalizar a ação do Governo face a um acórdão emitido pelo Tribunal Constitucional, resultou em nada; mais custas no valor de 400 euros a cargo da associação. Mas o problema não está no Tribunal Administrativo.
O problema parte do Governo, que continua a sair impune do escândalo de ter trabalhadores a recibos verdes no Estado e, ainda para mais, sujeitos a cortes que apenas à Função Pública diziam respeito.
E o que têm estes trabalhadores a dizer sobre isto?