Imitar os efeitos da cafeína no cérebro para combater e tratar a depressão
Descoberta liderada por cientista português abre o caminho a futuros tratamentos de sintomas psiquiátricos induzidos pelo stress crónico, um dos principais "gatilhos" da depressão e das perturbações do humor.
A explicação prende-se com… o consumo de cafeína. Como escrevem estes cientistas na PNAS, estudos anteriores realizados em grandes grupos de pessoas já tinham concluído que, em situações de stress repetitivo – um dos principais "gatilhos" da depressão –, as pessoas aumentam o seu consumo de cafeína, o que tem por efeito uma redução da incidência dos estados depressivos.
Mas até aqui, ninguém sabia explicar este efeito protector da cafeína sobre o estado mental – efeito que se verifica não apenas nos seres humanos, mas também em animais como o ratinho. Numa primeira fase, os cientistas estudaram portanto, no ratinho, os efeitos do consumo de cafeína.
Para isso, explica a UC em comunicado, submeteram dois grupos de ratinhos, durante três semanas, a situações ditas de “stress crónico imprevisível”, ou seja a situações negativas sucessivas e por vezes extremas (tal como privação de água ou exposição a baixas temperaturas). Um dos grupos de animais recebeu, ao mesmo tempo, doses diárias de cafeína equivalentes a quatro a cinco chávenas de café para um ser humano.
«Apesar de todas as situações negativas a que foram sujeitos, [os ratinhos que consumiram cafeína] apresentavam menos sintomas do que os do outro grupo, que registou as cinco alterações comportamentais típicas da depressão: imobilidade, ansiedade, perda de prazer, menos interacções sociais e deterioração da memória”, explica Rodrigo Cunha, citado no mesmo documento. Em particular, os cientistas constataram que a cafeína impedia certas alterações, provocadas pelo stress, ao nível da comunicação entre os neurónios.
A segunda fase da experiência consistiu em identificar o mecanismo molecular responsável por este efeito protector. Mais precisamente, os cientistas analisaram o que acontecia ao nível dos chamados "receptores A2A da adenosina", presentes à superfície dos neurónios e que se sabe serem alvos da cafeína no cérebro.
Estes receptores, que regulam a libertação de certos neurotransmissores, são considerados como um potencial alvo terapêutico no caso da depressão, da toxicodependência e da doença de Parkinson. E justamente, um estudo realizado nos EUA em doentes com Parkinson já mostrara que um composto capaz de bloquear esses receptores A2A, a istradefilina, produzia melhorias significativas do estado mental dos doentes.
Esta não era a única pista, referiu ao PÚBLICO Rodrigo Cunha: “A minha colega e amiga Luísa Lopes (do Instituto de Medicina Molecular em Lisboa) já tinha mostrado que, no rato, o bloqueio [desses] receptores confere um benefício terapêutico face à deterioração cognitiva resultante de uma separação maternal durante a infância.”
De facto, quando a equipa administrou istradefilina a ratinhos deprimidos, em apenas três semanas “o fármaco foi capaz de reverter os efeitos provocados pela exposição inicial ao stress crónico imprevisível e os animais [tornaram-se] semelhantes aos ratinhos saudáveis”, frisa Rodrigo Cunha. Ou seja, não só a cafeína tinha um efeito preventivo contra a depressão, mas o bloqueio selectivo dos receptores A2A pelo fármaco permitiu cancelar os sintomas depressivos já manifestos.
“[Tanto quanto sei], este é o primeiro estudo que avalia o efeito do consumo regular de cafeína em modificações de humor causadas por stress crónico”, disse-nos ainda Rodrigo Cunha. “Julgo também ser este o primeiro estudo a apresentar [provas] experimentais de que o bloqueio parcial dos receptores A2A para a adenosina é o provável mecanismo de acção da cafeína na prevenção da deterioração do humor resultante da exposição ao stress crónico. Finalmente, é a primeira demonstração causal de que o bloqueio de receptores A2A para a adenosina confere um benefício terapêutico em animais com modificações do humor.”
“Os anti-depressivos disponíveis têm uma eficiência limitada e representam um custo sócio-económico significativo”, diz-nos ainda o cientista. Por isso, os bloqueadores de receptores A2A para a adenosina "poderão representar uma nova oportunidade terapêutica.” E embora ainda seja necessário realizar ensaios clínicos com o fármaco em questão, “a transposição para a prática clínica pode ser bastante rápida (…) porque estamos perante um fármaco seguro, já utilizado nos EUA e no Japão para o tratamento da doença de Parkinson”.