Os últimos dias de Atenas? Talvez não
Mais do que inovador, o Syriza parece uma opção de continuar a “velha Grécia”
Grave é o facto de ambas as partes se terem lançado numa negociação “à beira do abismo”, onde cada uma quer ganhar tempo à espera de que a outra ceda primeiro. Acontece que o tempo — e o dinheiro grego — se estão a esgotar.
O Governo grego está dividido. O Syriza é um conglomerado de facções divergentes ou até antagónicas. Também os credores não estão de acordo entre si. A Comissão Europeia estaria aberta a um acordo limitado para sair do impasse actual; o FMI defende a reestruturação da dívida, o que Berlim não aceita antes do fim do actual programa; em compensação, o FMI mostra-se intransigente nas reformas do mercado do trabalho, da segurança social, da idade de aposentação, coisas de que o Governo grego e o Syriza não querem ouvir falar.
Nenhuma das partes quer a ruptura. Mas esta dinâmica de negociação, do “risco calculado” e do bluff, é propícia a incidentes que podem fazer detonar uma crise incontrolável: o tempo está a esgotar-se, é baixa a confiança entre as partes, Atenas pode ficar sem fundos e não se sabe o que acontecerá. Uma saída ordenada da Grécia do euro pode ter um preço alto mas é uma hipótese a discutir. Um Grexit desordenado seria um “buraco negro”.
Para os gregos seria a tragédia absoluta que os faria ter saudades de 2010-12. E para a UE? Preveniu em Dresden, no G7, Jack Lew, secretário americano do Tesouro: “A ideia de que não haverá contágio e de que não haverá consequências fora da Grécia é um erro.” A Grécia deverá fazer reformas e os credores deverão mostrar flexibilidade. “Mas fazer joguinhos é uma coisa perigosa porque basta um incidente” para fazer saltar tudo.
As linhas vermelhas
Atenas sublinha as “linhas vermelhas” de Alexis Tsipras, as matérias em que ele não pode ceder porque foi eleito com base nelas. “O problema é que os gregos votaram ao mesmo tempo para acabar com a austeridade e para permanecer no euro”, observa o jornalista britânico Philip Stephens. Atenas invoca a legitimidade democrática do seu Governo. E se esta entra em colisão com a legitimidade democrática dos governos dos outros países da zona euro?
Noutros termos: pode a Grécia permanecer no euro e pedir ajuda financeira sem um programa económico? O historiador grego Sthatis Kalyvas resumiu o quadro após a vitória de Tsipras: “Dado que o Syriza se opõe a muitas das reformas estruturais que são necessárias (...), a aplicação do seu programa exigiria nada menos do que um compromisso da UE em financiar permanentemente os seus crescentes défices. Isto não é realista.”
O Syriza ganhou as eleições num momento favorável em que cresciam as críticas às políticas de austeridade e às troikas. Não o soube aproveitar. Nas primeiras semanas acumulou erros de cálculo. As exibições de Yanis Varoufakis criaram anticorpos. Tsipras apostou em dividir os europeus e explorar as divergências sobre o euro e a austeridade. Mas nada obteve de Renzi ou de Hollande, para quem eram inaceitáveis as novas exigências de Atenas. Equivocou-se sobre as posições de Portugal, Espanha e Irlanda ou sobre os Bálticos.
A campanha nacionalista germanófoba funcionou na Grécia mas não no exterior. A ameaça de viragem das alianças — aproximar-se de Moscovo — foi um fogacho. Antes de ser eleito, já Tsipras tinha apostado na inevitável cedência da UE graças ao pânico de um default grego que faria implodir a zona euro. O risco permanece mas não tem o peso da ameaça de 2011.
Atenas desperdiçou os bons argumentos que jogariam a seu favor. A sua flutuante estratégia negocial é um enigma. As “linhas vermelhas” de Tsipras são o que resta do seu programa eleitoral. Mas elas próprias devem ser questionadas porque as suas raízes são mais fundas do que a ideologia e as promessas eleitorais.
O “antigo regime”
As troikas e os economistas sempre deram pouca atenção às raízes da crise grega que se fundam na natureza do seu Estado — do clientelismo à ausência de uma máquina fiscal moderna. Sem reforma do Estado nenhum programa económico funciona.
Surpreendentemente, Tsipras não deu a indicação de estar interessado na reforma do Estado — o que pareceria lógico, dado o Syriza não ter sido responsável por essas práticas. Estas decorrem da História grega e dos dois partidos que a dominaram desde a integração europeia — a Nova Democracia e o Pasok.
George Prevelakis, especialista da geopolítica balcânica, escrevia em 2011: “Após a criação da Grécia moderna, o principal instrumento do clientelismo foi o emprego dos ‘protegidos’ no Estado. O maná vindo do exterior desde 1981 permitiu engordar o Estado, que emprega actualmente mais de um milhão de pessoas, um quarto da população activa da Grécia. Aos problemas ligados à sua dimensão, junta-se a existência de redes de corrupção que levaram a uma ‘privatização mafiosa’ do sector público [por partidos e sindicatos].”
A que se deve a inabalável resistência do Syriza em tocar no funcionalismo, no sector público, no sistema de pensões, na flexibilização do trabalho ou no sistema das convenções colectivas? A considerações sociais ou revolucionárias? Ao medo de perder eleições? Ou à sua adaptação aos “costumes” da velha sociedade? “O eleitorado nunca apoiou os políticos sérios. Pelo contrário, os eleitores participavam na ‘grande festa’ financiada por recursos fictícios”, anota o mesmo autor.
Tudo isto deixa a noção de que, em vez de inovador, o Syriza significa uma opção esquerdista de continuidade em relação à Grécia das últimas décadas.
Há, no entanto, um ponto em que economistas e tecnocratas não pensam e que muito preocupa italianos, ingleses e, sobretudo, americanos. A Grécia está situada no crítico Sueste da Europa, na vizinhança do Médio Oriente e por onde passam grandes migrações, região em que russos e chineses têm elevado interesse. Um novo foco de turbulência nos Balcãs seria uma catástrofe geopolítica para a NATO. Os gregos sabem-no. É um dos argumentos que joga a favor de uma política mais flexível perante a Grécia. Foi o que o americano Jack Lew quis dizer no G7 de Dresden.