Usar um e-cigarro* pode matar o seu filho de vergonha
Se o Governo vai mesmo obrigar os maços de cigarros a terem imagens chocantes para lembrar os perigos do fumo, então é justo que obrigue os cigarros electrónicos a terem imagens extremamente foleiras para lembrar os perigos do ridículo.
Sugestões: “Homens que utilizam este aparelho põem os óculos escuros no cocuruto.” Ou: “9 em cada 10 fumadores electrónicos calçam crocs”, “Tem um CD pendurado no retrovisor? Então não pendure isto ao pescoço!”, “Usar um e-cigarro pode matar o seu filho de vergonha”, “E-fumar reduz as hipóteses de chegar a avaliar se reduz ou não a fertilidade”, “Os filhos de e-fumadores têm maior tendência para se darem para adopção”. Quero acreditar que uma pessoa normal volte atrás na decisão de adquirir uma geringonça destas, se ler na embalagem: “Cigarro electrónico está para 2015 como coldres de telemóvel para 2005.”
Infelizmente, vivemos numa sociedade que discrimina eflúvios: condena o fumo enquanto absolve o vapor. Há centenas de iniciativas para alertar os jovens para os malefícios do tabaco, mas nenhuma para esclarecer que chuchar num e-cigarro é um hábito embaraçoso. Quem já viu um grupo de pessoas a bufar em pífaros de neblina, numa espécie de conferência de sebastianistas, sabe que parecem encantadores de serpentes que em vez de uma víbora enfeitiçam uma lagarta.
Atenção, não quero ser injusto para com os e-fumadores. O que eles fazem também é arrojado e acarreta perigos para a saúde, designadamente para a saúde mental. O e-fumador sofre a angústia de ter de optar entre os aromas a coca-cola, melancia, cereja italiana, mirtilo americano, caramel mocha, maçã verde, bebida energética, tutti frutti, coco ou cappuccino. Os nervos da indecisão, o medo de escolher mal, causam tanta ansiedade que muitos e-fumadores só conseguem relaxar depois de fumar um cigarro verdadeiro.
Nas manuais de Português do secundário, costuma dar-se uma frase de Eça de Queiroz, “Adélia fumava um cigarro lânguido”, como exemplo de hipálage. Com o progresso, é uma frase que continua a servir para o ensino das figuras de estilo: “Adélia fumava um e-cigarro lânguido” é agora exemplo de oximoro. Um e-cigarro é o oposto de lânguido. Nada a que seja preciso recarregar a bateria pode ser considerado sensual. Uma mulher que acha atraente um e-fumador também acha corajoso um praticante de body combat.
Por mais tecnológico que seja o cigarro, há coisas que nunca mudam. Fumar vai continuar a ser uma transgressão típica de adolescentes. Só que antes transgrediam às escondidas dos pais, por medo. Com os e-cigarros, transgridem às escondidas dos amigos, por vergonha. Mais poderosa que uma fotografia de uma boca aberta com os dentes podres, para assustar um fumador, é uma fotografia de uma boca aberta a rir, para assustar um e-fumador. Os jovens não têm medo do risco. Mas têm do riso.
* E-cigarro é um dispositivo electrónico produtor de vapor que, ao ser inalado, proporciona satisfação ao utilizador, vexame a familiares e gozo a quem observa.