Moreno Veloso: “Aproximei-me da cultura do Brasil através da Bahia”
Músico e compositor, filho de Caetano e sobrinho de Bethânia, Moreno apresenta o seu primeiro disco oficial a solo: Coisa Boa. Eta sexta-feira em Lisboa, no São Jorge, e amanhã em Ponta Delgada. Ambos às 21h30.
Antes, porém, gravou um outro disco a solo, mas só no Japão e de modo acidental, Solo in Tokyo. “Convidaram-nos para um show do +2, da banda, eu, Domenico e Kassin, na abertura de um museu novo. Mas as obras atrasaram e eles tiveram que trocar a data. E com a troca de data, o Domenico e o Kassin não podiam de jeito nenhum ir ao Japão.” Mas ele podia e os organizadores insistiram para que fosse, sozinho, fazer o espectáculo da inauguração do museu. “Eu fui e honrei as datas, mas eu nunca tinha feito um show sozinho, voz, violão e pandeiro. O técnico de som gravou ao acaso e os meus amigos produtores japoneses ouviram a gravação e quiseram lançar um disco.”
Solo in Tokyo acabou por ser a estreia involuntária Moreno a solo. E abriu-lhe horizontes. “Em 2010 voltei ao Japão, sozinho, para fazer o lançamento desse disco. Foi uma experiência incrível, porque amadureci o estar sozinho em palco.” No regresso, estava ele já a viver em Salvador de Bahia (nasceu lá, a 22 de Novembro de 1972, mas entre 1975 e 2010 viveu no Rio de Janeiro), fez “shows também em Salvador, porque já estava confiante naquele projecto de tocar sozinho e queria mostrar para os brasileiros aquilo que só os japoneses conheciam.” Tocou na Bahia e no Rio.
Mas foi na Bahia que acabou por lhe surgir a ideia daquele que viria a ser o seu primeiro disco oficial a solo, Coisa Boa. “Essa canção está ligada à paternidade. Era uma valsinha que eu cantava, só melodia, para os meus filhos. Um dia mostrei-a para o Domenico e ele fez a letra imediatamente. A gente estava indo fazer um show junto com a Adriana Calcanhotto, com quem colaboramos longamente e, no carro, com o violão, mostrei a valsinha p’ra ele. Ele escreveu logo, no caminho, e quando chegámos no teatro a música já estava pronta.” Cantaram-na ao vivo, nessa mesma noite.
Sensação de liberdade
A letra da canção Coisa Boa (“Tanta coisa boa/ Nada é de ninguém/ Fica aí à toa/ Vou ficar também”) foi o mote. “A primeira frase que o Domenico escreveu deu-me uma sensação de liberdade, de que estava na hora de mostrar as coisas que eu estava coleccionando nesses anos todos.” Pegou nas canções que tinha, na rodagem a solo e na vontade de experimentar e lançou-se ao trabalho. “Tinha um punhado de composições inéditas, coisas que eu gostava e que já estavam a pedir para sair.”
O disco, com 11 canções, mostra uma evolução vocal e instrumental em relação ao primeiro trabalho de Moreno com Domenico e Kassin, Máquina de Escrever Música, gravado em 2000. “Naquela altura nós éramos muito amadores, não sabíamos cantar, estávamos ainda a aprender a colocar a nossa voz nas músicas próprias. Mas com o advento da Orquestra Imperial [projecto colectivo no qual os três se envolveram, e que já se apresentou em Portugal], e outros trabalhos, fomos aprendendo a usar a voz para cantar outras músicas e desenvolvemo-nos nesse caminho.”
Cantar em Boyhood
Essa passagem do tempo que o disco testemunha acaba por se materializar numa outra ligação, com um filme que é também ele testemunha da passagem do tempo, Boyhood, de Richard Linklater. Três canções deste novo disco de Moreno (Coisa Boa, Em todo lugar e Não acorde o neném) acabaram por entrar na banda sonora do filme, na parte final, respeitante ao ano de 2014. Há até um episódio caricato relacionado com isto. As canções foram pedidas pela produtora do filme e foram enviadas a partir do estúdio onde o disco foi gravado. Uma delas ia indicada no ficheiro como Em todo lugar - Voz Boa, para se distinguir da que tinha apenas voz guia e não era para usar. Pois é assim que a canção surge descrita nos créditos finais do final. Com Voz Boa. “Eles usaram a legenda inteira”, diz Moreno, divertido. Mas “adorou” ver as suas músicas no filme.
Não foi só disso que gostou. “O filme diz muita coisa sobre perseverança, alegria. Eu tive a sorte de estar em Nova Iorque na estreia mundial do filme e conhecer os actores, os produtores, o director. Foi uma alegria, porque são pessoas admiráveis no sentido humano. E quando o filme passou fiquei contente, porque é uma ficção inacreditavelmente documental sobre a passagem do tempo.”
Isto foi ainda mais gratificante para Moreno Veloso porque ele se revê neste processo. “É como o meu processo artístico, que de ano em ano vai deitando uma sementinha.” Nos palcos, como agora se verá em Lisboa (Cinema São Jorge, esta sexta-feira às 21h30) e em Ponta Delgada (no Teatro Micaelense, sábado dia 9 às 21h30), Moreno apresentará o novo disco, mas não só. “Este disco é bastante curto, tem 35 minutos, portanto cabem muitas outras coisas. A base é Coisa Boa, mas tem elementos do disco Máquina de Escrever Música para compor o cenário da minha visão da música.
Este show é uma visão da música que eu tenho agora, neste momento” E que momento é esse? “É um momento em que eu me aproximei muito da minha família na Bahia e que estendi a minha noção de família sendo pai também [tem dois filhos]. É um momento em que eu me aproximei da cultura do Brasil através da Bahia. E em que os meus amigos, principalmente o Pedro Sá, se voltaram de novo pra mim e disseram: vamos te ajudar a fazer um disco porque está na hora.”
No palco, Moreno não estará só. Com ele (voz, violão e pandeiro), estarão Bruno di Lullo (baixo), Rafael Rocha (bateria, percussão e vozes) e Rodrigo Bartolo (guitarra e vozes).