Regime de excepção força regresso à normalidade em Baltimore
A população voltou às suas rotinas diárias depois da primeira noite de recolher obrigatório. Forças anti-motim permanecem na cidade.
Na primeira noite em que foi aplicada, a ordem de recolher obrigatório entre as 22h e as 5h do dia seguinte foi respeitada sem que se registassem mais incidentes. “As medidas tomadas estão a produzir resultado. A população está segura e a cidade está estável”, garantiu o comissário da polícia de Baltimore, Anthony Batts, que aconselhou os habitantes a cumprir as suas rotinas durante o dia e regressar cedo a casa.
As restrições ao trânsito foram levantadas, as escolas reabriram e todos os serviços públicos voltaram a operar. A única nota que ainda denotava o nervosismo com a situação partiu da entidade que organiza o campeonato de baseball dos Estados Unidos – depois de dois adiamentos, a MLB decidiu fechar ao público as bancadas do estádio de Camden Yards para o jogo dos Baltimore Orioles contra os Chicago White Sox, invocando razões de segurança.
A polícia de Baltimore contou com o apoio de mil homens recrutados às corporações vizinhas, e ainda com a participação de efectivos da Guarda Nacional na sua operação extraordinária de segurança da cidade. E, principalmente, contou com o apoio da população para levar a medida avante: esfriados os ânimos, as comunidades mobilizaram-se numa operação colectiva e espontânea de limpeza e os manifestantes marcharam pacificamente pela zona Oeste da cidade, com palavras de ordem de unidade e justiça.
A calma relativa não significa o fim da tensão e revolta: apenas que, para já, surtiram efeito os apelos de líderes locais, religiosos e políticos, e também da família de Freddie Gray, que em coro repudiaram a violência e o vandalismo ao mesmo tempo que exigiram a investigação da sua morte. O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também censurou os “vândalos” e os “delinquentes” que pilharam lojas, incendiaram carros e atiraram pedras à polícia. Mas apesar das palavras duras contra a desobediência e a marginalidade, Obama não deixou de notar que o caldo que alimentou a fúria dos manifestantes já fervia há muito tempo, anunciando a explosão e o conflito na cidade. O país precisa de “pôr a mão na consciência para resolver o problema da violência urbana”, declarou.
Depois dos episódios em Ferguson e Nova Iorque, o país respirou de alívio por ver que a população de Baltimore não reagiu com mais violência e hostilidade à presença das forças anti-motim em cada canto da cidade. Como explicava esta manhã um dos residentes do bairro onde Freddie Gray foi preso, à rádio pública NPR, ao contrário do que sucedeu no Missouri, ninguém pensa que o incidente original com a polícia de Baltimore se deve à intolerância, discriminação ou intimidação da comunidade negra. “Nada do que aconteceu tem a ver com raça. O facto de [Freddie Gray] ser negro não tem nada a ver com o assunto”, declarou Taiwan Parker.
As restantes 16 pessoas entrevistadas pela NPR na mesma zona partilhavam da mesma opinião: a origem da tensão que abriu um fosso entre a população e a polícia não tem a ver com nenhuma subrepresentação de afro-americanos nas instituições da cidade ou de uma postura racista das forças de segurança. Tal como 60% da população de Baltimore, também a mayor Stephanie Rawlings-Blake, o comissário Anthony Batts, e metade dos agentes da polícia são negros.
Apesar de observarem uma reacção contra a brutalidade policial, os analistas apontam outra causa para a explosão de segunda-feira (que aconteceu depois de seis dias de vigílias e protestos pacíficos largamente ignorados pelas autoridades e os media). O que a violência trouxe à tona, dizem, foi a desigualdade social e económica, a decadência e criminalidade urbana, desemprego, pobreza e falta de oportunidades que afectam desproporcionalmente os negros, em bairros como aquele em que Freddie Gray vivia.
Segundo dados recolhidos pelo Justice Policy Institute e a Prison Policy Initiative, citados pelo Financial Times, 33% das propriedades da zona estão abandonadas e a taxa de desemprego atinge 52% dos habitantes. A média dos rendimentos anuais daqueles que trabalham é de 24 mil dólares, menos de metade da média nacional de 52 mil dólares.