Para um sistema eleitoral justo e mais democrático

A preservação do regime democrático e o aprofundamento da democracia exigem o sacrifício dos interesses partidários em defesa dos princípios que alicerçam os fundamentos do próprio regime.

E daí que o sistema eleitoral instituído, e que tem vigorado ao longo dos 39 anos de vigência da Constituição, se caracterize pelo reconhecimento da capacidade eleitoral activa e passiva aos indivíduos maiores de 18 anos (cidadãos); pela salvaguarda da liberdade de exercer o direito de sufrágio; pela não aceitação do voto por procuração nem por correspondência (salvo alguns casos excepcionais específicos); pela existência de um órgão encarregado de velar pelo normal funcionamento de todo o processo eleitoral (a Comissão Nacional de Eleições); pela atribuição aos tribunais das questões inerentes ao contencioso eleitoral; pela apresentação de candidaturas por listas fechadas; e principalmente pela utilização do processo de escrutínio de representação proporcional seguindo o método de Hondt (excepto na eleição do chefe do Estado em que se utiliza o processo de escrutínio maioritário de duas votações) e pela não exigência de um limite mínimo de votos para se ter direito a participar na distribuição dos lugares a preencher em cada um dos 22 círculos eleitorais em que se enquadram os respectivos eleitores.

Este sistema eleitoral tem sido utilizado em todas as eleições legislativas realizadas desde que entrou em vigor a CRP, embora esta permita, após a segunda revisão (Lei Constitucional n.º 1/89 de 8 de Julho), a adopção de um método diferente para transformar os votos em mandatos.

Ora, sabendo-se que o processo de representação proporcional seguindo o método de Hondt é grandemente injusto, pois beneficia significativamente os partidos políticos de grande expressão eleitoral em prejuízo dos partidos mais pequenos, como evidenciam os resultados das últimas eleições legislativas (2011), dado que o PSD obteve 38,7% de votos e elegeu 46,9% dos deputados (108) e o PS obteve 28,1% de votos e elegeu 32,2% dos deputados (74); enquanto o CDS com 11,7% de votos conquistou apenas 10,4% dos lugares (24 deputados), o PCP com 7,9% de votos só conseguiu 7% de lugares (16 deputados) e o BE, que obteve 5,2% de votos, só elegeu 3,5% dos deputados; e os outros partidos obtiveram, em conjunto, 8,4% de votos mas não elegeram qualquer deputado; e sabendo-se também que as listas fechadas expressam a vontade dos directórios dos partidos políticos e limitam a liberdade de escolha dos eleitores, impedindo-os de votar nos candidatos da sua preferência; por que razão não se aproveita este período pré-eleitoral para se proceder à alteração do sistema eleitoral em vigor?

É certo que não é politicamente fácil alterar um sistema eleitoral que garante aos maiores partidos vantagens na representação parlamentar, as quais se traduzem eventualmente na possibilidade de exercer as funções governativas do país. Mas a preservação do regime democrático e o aprofundamento da democracia exigem o sacrifício dos interesses partidários em defesa dos princípios que alicerçam os fundamentos do próprio regime: o princípio da liberdade, o princípio da igualdade e o princípio da responsabilidade. E, por isso, talvez não seja despiciendo alertar os membros do Parlamento português para a necessidade de procederem à alteração da lei que regula as eleições legislativas, de forma a instituir um sistema eleitoral que garanta e salvaguarde o respeito intransigente dos princípios atrás referidos. Para esse efeito, não é necessário modificar a geografia eleitoral, nem substituir o processo de representação proporcional plasmado na CRP de 1976 desde a sua origem. Basta introduzir duas pequenas alterações na Lei Eleitoral que está em vigor, a saber:

a) Substituir o método de Hondt pelo método dinamarquês, que consiste em dividir os votos obtidos por cada partido ou coligação por 1, 4, 7, 10, 13, etc., em vez de os dividir por 1, 2, 3, 4, 5, etc., como estabelece o método de Hondt;

b) Introduzir o direito de voto preferencial e, consequentemente, possibilitar a apresentação de candidaturas por listas abertas, ordenando os candidatos por ordem alfabética nas respectivas listas, permitindo aos eleitores que votem no partido político da sua preferência e que, dentro da lista deste, escolham o seu candidato preferido.

E, assim, serão inteiramente salvaguardados e respeitados os princípios da liberdade, da igualdade e da proporcionalidade, e Portugal terá o sistema eleitoral mais justo e democrático do mundo.

Ex­­-parlamentar europeu e professor catedrático de Ciência Política

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