Porto vai tratar das suas “ilhas” mas nem todas terão o mesmo fim
Nestes bairros, o que mais salta à vista é a degradação e a falta de condições das casas. A maioria da população é idosa mas também há uns estreantes, recém-chegados a Portugal. É profundo o sentimento de pertença e a vontade de ali ficar. Um sonho impossível em algumas ilhas.
Estão espalhadas um pouco por toda a cidade e são o último reduto de famílias com poucos rendimentos, que não residem em habitação social. Muitos dos moradores das “ilhas” do Porto são velhos, que viram partir os filhos e se deixaram ficar nas casas que conheciam há décadas e onde a vizinhança lhes é familiar (mais de 65% dos inquiridos residem no mesmo local há mais de 30 anos e 75% diz-se satisfeito ou muito satisfeito com a vizinhança). A degradação e a falta de condições das casas andam, por isso, a par e passo com um sentimento de pertença e o desejo, ainda partilhado por muitos, de permanecer no mesmo local. Como se resolve isto?
O município diz que o exemplo está dado, com o projecto delineado para a ilha municipal da Bela Vista (cujo concurso público deverá ser lançado esta terça-feira em Diário da República) e em que o conceito é reabilitar, a baixos custos (cerca 6500 euros por casa), mantendo os moradores no mesmo local, mas dando-lhes novas condições e novos vizinhos. No caso das ilhas privadas, a opção por uma solução deste género terá de contar sempre com o envolvimento do proprietário actual ou, no caso de este não poder assumir os custos da intervenção, numa mudança de propriedade do espaço. Há, porém, casos em que a degradação é tal que a única coisa a fazer será “a demolição e realojamento”, uma das cinco hipóteses colocadas em cima da mesa. As outras soluções propostas passam pela “saída” dos residentes – nos casos em que estes o pretendem fazer – ou pelo “desenvolvimento de novos tipos de ocupação”.
Conhecido o cenário, o próximo passo será, precisamente, decidir que solução se adapta a cada caso. Dos 957 núcleos habitacionais identificados, 85 estão completamente desabitados. Ainda assim, há na cidade cerca de 4900 habitações em “ilhas” com gente dentro, um número considerável, ainda que haja uma diminuição de 19% deste tipo de alojamento, quando comparado com os dados de 2001, e um aumento de 55% dos núcleos desabitados. A maioria das “ilhas” está nas freguesias de Campanhã (243), do centro histórico (176) e de Paranhos (155) e o tipo de agregado familiar também está bem definido – 70% conta apenas com uma ou duas pessoas.
Um valor que, não há que enganar, aponta para moradores velhos e isolados. As famílias sem filhos ou compostas por “pessoas isoladas” representam 60% das que vivem nas ilhas; as reformas são, em 62% dos casos, a principal fonte de rendimento; a média de idades dos moradores é de 53 anos e os residentes com mais de 65 anos constituem 37% das pessoas que ainda vivem nas ilhas. Tudo dados que apontam para “a presença de um contexto de envelhecimento e vulnerabilidade social”, refere-se no estudo. Contudo, isto não significa que as "ilhas" sejam espaços obsoletos quando se procura uma casa barata no Porto. O estudo diz que 12,4% dos moradores destes núcleos chegaram ali há menos de cinco anos e entre eles estarão alguns imigrantes oriundos da Bulgária, Brasil ou Angola.
Apesar dos vários problemas detectados – degradação, sobrelotação, ausências de equipamentos básicos interiores ou exteriores, como casas-de-banho, problemas de vizinhança ou isolamento –, os dados indicam que 60% dos inquiridos estão “satisfeitos” com o alojamento e que 34% não quer mudar de casa. A maioria (54%) assume, contudo, um desejo de mudança e, dentro deste grupo, 60% disse que gostaria de poder residir numa casa reabilitada no mesmo local. Dos 503 agregados familiares que mostraram vontade de abandonar a “ilha”, 402 assume que não o fez ainda por “falta de dinheiro”.
Porque a “ilha” ainda é um local tradicionalmente mais barato para morar do que a habitação normal da cidade. A renda média nestes núcleos habitacionais, segundo o estudo apresentado esta segunda-feira no Teatro Municipal Rivoli, é de 85 euros – superior aos 57 euros de renda média numa habitação camarária, mas muito inferior aos 191 euros que são o valor do arrendamento dito normal. Ainda assim, entre os moradores que chegaram na última década, a renda média sobe para os 162 euros.
Com os resultados nas mãos, o executivo quer agora a colaboração dos proprietários, dos especialistas e dos moradores para decidir o futuro. Rui Moreira diz ter hoje "a certeza quanto à necessidade de a reabilitação e regeneração da cidade se fazer também através das ilhas e dos seus habitantes". Não de todas, o que, avaliou, representaria um investimento na ordem dos "cem milhões de euros", mas das que podem ser renovadas.
O vereador da Habitação, Manuel Pizarro, sintetizou o esforço que deverá agora ser feito: "Proteger o que deve ser protegido, requalificar o que deve ser requalificado e demolir o que deve ser demolido." Sem prazos, essa será uma decisão a desenvolver com o programa que a câmara quer criar e para qual espera ter apoios do Governo e dos fundos comunitários.
Só assim, as "ilhas" deixarão se estar escondidas da cidade e de ser a "herança pesada, ciclicamente revisitada" de que falou, durante a sessão, para uma plateia repleta, o director da Faculdade da Arquitectura da Universidade do Porto, Carlos Guimarães. As "ilhas" do Porto, prometeu-se, vão mostrar-se a todos e fazer parte por inteiro do conceito de reabilitação urbana.