Fernando Echevarría vence Correntes d’Escritas

O prémio Casino da Póvoa foi atribuído ao poeta pelo seu livro de poemas Categorias e Outras Paisagens.

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O poeta Fernando Echevarría fotografado em 2005 Paulo Pimenta

O júri, composto por Afonso Cruz, Almeida Faria (homenageado nesta edição do festival), Ana Paula Tavares, Maria Flor Pedroso e Valter Hugo Mãe justificou a escolha com “o carácter monumental, impressionante pelo seu fôlego e constante equilíbrio de espessura poética”, da obra de Echevarría. Com as suas mais de 500 páginas, e a habitual densidade filosófica e dimensão orgânica dos livros de Echevarría, Categorias e Outras Paisagens (ed. Afrontamento) é, de facto, um exemplo de pujança criativa num autor que recebe este prémio no próprio dia do seu 86.º aniversário.

Na acta do júri, lê-se ainda que o livro de Echevarría “constrói uma poética da lucidez e do rigor num trabalho de grande apuro reflexivo” e constitui “um monumento à capacidade de dizer o indizível no limite das palavras”.

Os restantes finalistas do prémio eram Fernando Guimarães, A. M. Pires Cabral, Nuno Júdice, José Tolentino Mendonça, Luís Quintais, Daniel Jonas, Golgona Anghel, Renato Filipe Cardoso, João Rios, Matilde Campilho e Fabiano Calixto.

A acta do prémio foi lida pela jornalista Maria Flor Pedroso, que assinalou a curiosidade de este prémio coincidir com o dia de anos do poeta, saudado por uma longa salva de palmas. Num discurso invulgarmente conciso para os hábitos da casa, Fernando Echevarría confirmou que reserva o seu fôlego para os poemas. “A única coisa que eu queria fazer aqui”, disse, “é agradecer ao meu editor, porque foi ele que concorreu”. Mas aproveitou ainda para “relevar uma injustiça que há sempre nestas coisas: o prémio é dado ao livro e quem embolsa o prémio é fulano”. E terminou logo a seguir: “O que é que hei-de fazer? Agradecer ao júri que ... pensou em mim, pronto”.

A sessão, no Casino da Póvoa, incluiu ainda uma homenagem ao romancista Almeida Faria, no ano em que se cumprem 50 anos sobre a publicação de Paixão, em 1965, quando já antes publicara, em 1962, aos 19 anos, o inovador Rumor Branco, que ganhou o Prémio de Revelação da Sociedade Portuguesa de Escritores. Também Almeida Faria trouxe um discurso breve, contando como o sucesso do seu livro de estreia desconcertou a família e os amigos no Alentejo do início dos anos 60. O pai achava que, já que escrevia, ao menos se “deixasse de modernices e publicasse um romance a sério”. E um amigo forcado amador ficou bastante desiludido, contou o autor, quando percebeu que o livro não tratava de cavalos e touros.

Almeida Faria contou ainda um episódio pitoresco que resultou da “relativa notoriedade” que o prémio a Rumor Branco lhe trouxera. Foi por essa altura a um leilão de livros em Lisboa e um jornalista do República decidiu noticiar que o jovem autor comprara determinados livros, cujos títulos adiantava. Como em casa de Almeida Faria se comprava o República, a sua mãe leu “a bem intencionada notícia à Virgínia, uma criada analfabeta, filha de pais incógnitos, e que foi criada em nossa casa”. No final, Virgínia voltou-se para Almeida Faria e sugeriu-lhe: “Agora o menino já pode copiar desses livros e escrever outro melhor”. Uma frase que o autor considerou “das mais sábias” que já ouviu, lembrando que já Jorge Luis Borges dizia orgulhar-se dos livros que lera, e não dos que escrevera.

“A literatura, como todas as artes, é esse diálogo com os mestres do passado, através do qual tentamos melhorar o que fazemos”, disse o homenageado, para quem “ler e recombinar textos antigos é talvez a tarefa principal do romancista”. E concluiu com o voto de que a parca Átropos, “encarregada de cortar o frágil fio da vida”, lhe conceda o tempo necessário para que “consiga ainda escrever um livro melhor do que os anteriores e dar razão à Virgínia”.

 

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