Em defesa do riso

O timing, pelo Charlie Hebdo e por todas as ameaças que pairam sobre a liberdade de expressão e sobre a liberdade do riso, permitem que se recomende um filme pelo seu “conteúdo”.

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Este filme, estreado durante o ano de 2014, meses antes dos acontecimentos de Paris, parecia que estava a adivinhar. É uma pequena defesa do riso, e através do riso, da liberdade – de espírito, de pensamento, de comportamento. Os cartoonistas como “soldados de infantaria da democracia”, descreve o título com felicidade, visto que depois de Janeiro de 2015 a metáfora militar talvez tenha deixado de ser uma metáfora. De forma simples e inteligente, Stéphanie Valloatto apresenta doze cartoonistas do mundo inteiro, de sítios tão diversos e com regimes políticos tão distintos como a França ou a China, Israel ou o Burkina Faso, os Estados Unidos ou a Rússia. Alguns são bem conhecidos – o francês Plantu ou o americano Jeff Danziger, outros porventura mais obscuros. Mas todos partilham a mesma férrea determinação: usar o humor como forma de criticar o poder, seja ele mais ou menos democrático, seja a democracia mais ou menos perfeita.

O trabalho de contexto é bom: articulam-se as obras de cada um, profusamente exemplificadas, com o background com que eles se relacionam e que, de alguma maneira, questionam. Os desenhadores contam histórias, sobretudo histórias de momentos tensos na relação com o poder suscitados por determinados desenhos. Em filigrana, vai-se construindo uma reflexão sobre a genérica falta de tolerância que o poder, seja ele qual for, político ou religioso, tem para com o humor, e sobre o humor como mais eficaz arma para desmontar, ou mesmo “desnudar”, os discursos e os rituais do poder – como os cinéfilos bem sabem desde que Chaplin, no filme mais corajoso alguma vez feito (O Grande Ditador), reduziu Hitler a um palhaço fardado. O filme de Stéphanie Valloatto não é muito sofisticado, com os seus modos mais devedores de um modelo de super-reportagem televisiva do que das melhores tradições do documentário cinematográfico. Mas o timing, pelo <i>Charlie Hebdo</i> e por todas as ameaças, mais veladas ou mais brutais, que pairam sobre a liberdade de expressão e sobre a liberdade do riso, permitem que, ao menos uma vez, se recomende um filme pelo seu “conteúdo”.

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