Baga-Paris
O ano mal começou e já somos confrontados com duas tragédias, dois massacres, um mais trágico do que o outro, não pelo número de vítimas, mas pela relevância, que tomam de assalto a minha atenção. O segundo, coitado, surge quase como nota de rodapé, e só adquire a gravidade desejada porque é posto em justaposição com o primeiro, acordando velhos fantasmas – África, condenada ao esquecimento?
França, Janeiro de 2015. 17 pessoas perderam a vida em Paris. Os jornais e demais órgãos de comunicação cumpriram o seu papel, não mediram esforços e foram até ao fundo da questão. Quem, como, porquê. Por proximidade de valores, o atentado à redação do Charlie Hebdo teve, como seria de esperar, o destaque que merecia e ninguém se furtou de expressar a sua indignação e pesar, dos chefes de Governo aos políticos na oposição, da extrema esquerda à extrema direita, do comentador de telejornal à adolescente imberbe que, arrebatada pela onda solidária que alastrou do Ocidente ao Oriente, não resistiu e trocou a selfie da semana pela mensagem “Je suis Charlie” nas suas redes sociais. Ninguém quer ficar do lado errado da história, daí não surpreender que todos, até os hipócritas, condenem o terrorismo e defendam a liberdade de expressão com a maior das boas intenções porque o contrário é inconcebível.
Nigéria, Janeiro de 2015. Cerca de 2 mil pessoas perderam a vida na cidade de Baga, no nordeste da Nigéria. O número não é exacto, o acesso à informação é limitado. Até a mim, que me interesso pelo assunto África por questões umbilicais, confesso que, quando me chegou a notícia, veio associada aos atentados de Paris. Líderes africanos entregaram-se ao silêncio a que sempre nos habituaram e os líderes do Ocidente, cautelosos como sempre, remeteram o assunto para as instituições que têm por obrigação manifestarem-se. Comentadores sociais, os que se lembraram, manifestaram a sua indignação sem muito alarido e os adolescentes, outros certamente, adoptaram a mensagem "Je suis Nigéria", num misto de solidariedade e protesto pelo esquecimento da imprensa na cobertura do atentado perpetrado pelo grupo fundamentalista Boko Haram. Nem George Clooney, que se interessa por esses tipo de questões veio ao auxílio das vitimas como fez com o massacre de Paris, o que é compreensível. Todos sabemos onde é que fica a torre Eiffel. Baga, antes dessa tragédia, ninguém sabia que existia.
Nós, africanos, acostumados à nossa própria indiferença e silêncio do Ocidente diante das nossas tragédias, encolhemos os ombros e lamentamos, da mesma forma que o fizemos, quando confrontados pela imprensa internacional, com o Rwanda, Darfur, ébola... ou ainda com o número de vítimas afro-americanas às mãos de agentes da autoridade. Até o Holocausto da escravatura – sim, esse assunto gasto que, para se manter relevante nos dias de hoje, precisa de encostar-se ao Holocausto judeu, pois é grande o risco de prescrição na lista das grandes tragédias da humanidade – perdemos de vista. Sem um ponto de comparação ou uma vítima ocidental, de preferência caucasiana, o tempo que dedicamos a analisar as causas e consequências dos acontecimentos que afligem as populações africanas, seja no Ocidente ou no continente berço da humanidade, será sempre menor.