“A partir de agora, as insolvências tenderão a diminuir”
O presidente da associação que representa os administradores de insolvência critica o reforço da classe numa altura em que o número de processos está a cair. E insiste que a taxa que o Governo quer cobrar será combatida nos tribunais.
As insolvências das empresas voltaram a cair no ano passado. A tendência vai continuar?
Era a tendência esperada. Assistimos, desde 2008, a um crescimento gradual das insolvências e o momento de viragem era esperado para agora. A partir de agora, as insolvências tenderão a diminuir no país. Não será uma diminuição brusca, porém. Mas nesta análise também é preciso ter em conta a introdução do Processo Especial de Revitalização (PER), em 2012. Há muitas empresas a recorrer a este mecanismo [que corre nos tribunais, mas é mais voltado para a recuperação]. Muitas porque têm a intenção séria de recuperar, outras porque é um expediente dilatório, uma forma de adiar o problema, por seis meses ou um ano. Há empresas que já passaram por insolvência, por PER, por uma segunda insolvência. E assim vão sobrevivendo.
Há alguma ideia da taxa de fracasso dos PER?
Não existem dados. Também porque é um mecanismo recente. Os primeiros PER aprovados e homologados datam de finais de 2012, inícios de 2013. É evidente que já houve alguns planos que falharam, logo no primeiro mês, ou que nunca chegaram sequer a ser cumpridos.
Há cada vez mais particulares a recorrer ao PER. Com eficácia ou também numa tentativa de adiar os problemas?
As pessoas em dificuldades que estão a tentar negociar com os credores o pagamento faseado das dívidas sem terem de requerer a insolvência. E, formalmente, parece que é indiscutível que as pessoas podem recorrer ao PER, embora alguns juízes defendam que este mecanismo deveria ser só para as empresas. Se conseguirem chegar a um entendimento, aprova-se um PER, continuam a pagar e ficam com os seus bens, como a casa.
Que avaliação faz destes dois mecanismos: o PER e o Sireve [em que a negociação é extrajudicial]?
O Sireve tem, neste momento, uma adesão muito diminuta. O seu antecessor, o PEC, tinha mais adesões, mas quando veio o PER, meses antes do Sireve, deu-se uma transferência para este instrumento. E apesar de o PER ter o estigma de ser um processo judicial, logo que entra e é nomeado um administrador suspende-se todos os processos, incluindo os pedidos de insolvência, o que alivia a pressão, nomeadamente em relação às execuções e às penhoras. O Sireve parece que vai passar a permitir também essa suspensão, o que não acontece agora. Já o problema do PER é que há muitas empresas que deveriam apresentar-se à insolvência mas recorrerem a este mecanismo para adiar os problemas. E, ao invés, há muitas empresas que deveriam recorrer ao PER e não o fazem porque temem perder o crédito bancário. Embora tenham a vantagem da suspensão dos processos, o que lhes pode permitir criar algum fundo de maneio, por outro lado perdem o crédito bancário que poderiam continuar a ter. Claro que tem outras vantagens, como o facto de permitir a recuperação antes de ser declarada a insolvência. Antes havia a ideia de que a empresa precisava de morrer para renascer.
Como vê a revisão que o Governo planeou para o PER e o Sireve?
A grande preocupação é o facto de permitirem a aprovação por uma maioria simples, o que vai permitir aos grandes credores decidir a vida das empresas e das pessoas. Por outro lado, as alterações de que se fala também vão levar mais empresas a recorrer ao Sireve, que estava mais abandonado, porque permitirá suspender os processos.
Acredita que o sistema de alertas para empresas em dificuldades vai diminuir os casos em que se tenta a recuperação tarde de mais?
Não conheço o modelo do sistema de alertas e, por isso, não me atrevo a fazer comentários. Mas aquilo de que se volta a falar agora é de fundos para apoiar a recuperação, como os que as empresas contavam receber em 2012 e que foram todos canalizados para empresas que nem sequer estão em PER e que são distribuídos por critérios desconhecidos e muito criticados [referência aos fundos Revitalizar, lançados em 2013].
Aquilo que parece estar em cima da mesa são 50 milhões de euros para fundo de maneio. É suficiente?
Será seguramente insuficiente, mas mesmo o pouco capital é preciso saber como vai ser distribuído, se será realmente para empresas em dificuldades. Um dos principais problemas das empresas em PER é a falta de fundo de maneio. Se esses fundos [Revitalizar] tivessem sido distribuídos por empresas em PER talvez tivesse havido mais sucesso.
Faz sentido o reforçar o número de administradores agora, com as insolvências a cair?
Está em curso um concurso em que vão ser admitidos até 77 novos administradores, mas é evidente que se se entendia que havia poucos administradores não era em 2015 que deveriam ser admitidos. Talvez em 2008, quando as insolvências começaram a crescer. Agora em 2015, quando a tendência é que comecem a diminuir, é um contra-senso. Por outro lado, o problema não está no número de administradores, mas sim no facto de 80% dos processos estarem em 20% dos administradores. Se a distribuição equitativa existisse, não seriam necessários mais administradores.
Quando será criado o programa que permitirá nomeações mais equitativas?
O que a letra da lei diz é que os administradores devem ter um número aproximado de processos de insolvência. E que, excepcionalmente, nos casos de maior complexidade, é possível ao devedor ou ao credor, dependendo das interpretações, indicar o administrador. Mas o que parece ser a regra passou a ser a excepção. O programa informático está já elaborado, já foi colocado à consideração de alguns magistrados e do próprio Conselho Superior de Magistratura em Novembro, merecendo parecer favorável. Quando entrará em funcionamento ninguém sabe responder, porque há uma questão financeira a colocar entraves, relativa ao pagamento desse programa informático.
Não há, portanto, data para avançar, apesar de já estar previsto desde 2004.
O senhor presidente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça disse, na quarta-feira, que só haverá programa quando houver taxa [que o Ministério da Justiça pretende cobrar aos administradores por cada processo]. Mas uma taxa de pressupõe a prestação de serviços, que até hoje nunca foram prestados. Nomeadamente o acesso ao Citius, à base de dados, a nomeação equitativa.
Como é que se vai resolver este braço-de-ferro?
A APAJ defende que deve haver fiscalização, disciplina para os administradores judiciais. Agora, entende que estes são serviços que competem ao Estado porque não beneficiam o próprio administrador. E fica a ideia de que, mesmo que se comece a pagar uma taxa, não há garantia de que qualquer um dos serviços vai ser prestado no dia seguinte. Ou se algum dia vai ser prestado. Se alguns princípios forem respeitados, aceitaremos pagar a taxa naturalmente, mas isso tem de significar a prévia prestação de serviços. A APAJ decidiu que deve recorrer a todos os meios legais que tem ao seu dispor, desde a providência cautelar aos tribunais fiscais e administrativos ou ao Tribunal Constitucional para impedir a entrada em vigor dessa portaria.
Já foi dada alguma indicação sobre quando o Governo pretende avançar com a taxa?
As perspectivas mais optimistas apontam para o final do primeiro trimestre deste ano.
Seja como for, a decisão é não pagar essa taxa?
Foi isso que foi deliberado em assembleia geral. Portanto, não é uma decisão da direcção da APAJ, mas sim da classe.
Por que motivo é tão reduzida a taxa de qualificação de insolvências [cerca de 2% do total de processos]? Há muitos gestores culpados que estão a escapar a condenação?
Uma das consequências que existem é a proibição de exercício de comércio, que a maior parte das vezes não tem efeito prático porque o gerente que é afectado por uma insolvência culposa passa a actuar através de um familiar próximo. Havia outra consequência, a inabilitação, que foi julgada inconstitucional. E, portanto, deixou de ser aplicada. E, por fim, o gestor pode ser responsabilizado pelas dívidas das sociedades, mesmo à banca ou a trabalhadores e fornecedores. Mas o efeito prático também é diminuto porque, na maioria das vezes, os gerentes também têm problemas, também não têm património. Depois há o elevado grau de exigência, por parte dos juízes, para declarar uma insolvência culposa. E o administrador, que tem de fazer prova, dificilmente consegue ter acesso a todos os elementos quando não tem a colaboração do insolvente, quando não há contabilidade organizada ou quando esta desapareceu, bem como os seus gerentes. E, na falta destes elementos, não vale a pena estar a dar um parecer de insolvência culposa para depois os juízes considerarem a prova insuficiente.