Boko Haram ou o coração das trevas

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Desviemos, por momentos, os olhos de Paris para o Nordeste da Nigéria e olhemos o horror em estado puro. É uma “ideologia da morte” em acção e no seu estado mais grosseiro. O fenómeno chama-se Boko Haram. O seu chefe, Abubakar Shekau, exprimiu exemplarmente essa ideologia num vídeo de propaganda de 2012: “Dá-me gozo matar todos aqueles que Deus me manda matar, tal como gozo ao matar galinhas e carneiros.”

O Boko Haram é o grupo terrorista que saiu da relativa obscuridade em Maio passado quando anunciou a venda das 270 adolescentes que raptara em Abril. Foi o click que desencadeou a indignação universal. A obscuridade era favorecida pelo poder nigeriano que não queria que o mundo soubesse. O resto era feito pela indiferença decorrente da banalização das tragédias africanas.

Na língua haussa, Boko Haram quer dizer “A educação ocidental é pecado”. Boko é a corruptela do book e designa a educação e a cultura ocidentais. Fundado em 2001 por um jovem salafista, Mohammed Yussuf, para impor a sharia (lei islâmica), mudou de natureza em 2010 quando Abubakar Shekau sucedeu a  Yussuf, executado pela polícia. Fez desde então milhares de mortos. Massacra, destrói cidades, proíbe os jovens de frequentar a escola. Rapta. Desafia o exército. Suspeita-se de que armadilhe crianças para atentados bombistas. Mistura fundamentalismo com comportamentos tribais regressivos numa região pobre e que não beneficia da renda do petróleo. Mas os seus mentores não são pobres: saíram das universidades.

Esta semana, o Boko Haram voltou a massacrar centenas de pessoas (ver PÚBLICO de sexta-feira). A fotografia acima é “púdica” face às imagens de corpos despedaçados. As maiores vítimas são os muçulmanos, “os maus muçulmanos”. Disse há meses o Nobel nigeriano Wole Soyinka: “Encaro o Boko Haram não apenas como grupo terrorista mas como gang criminoso e um bando de psicopatas. (...) O Boko Haram é uma máquina de violência, criada por pessoas que estão fora de controlo. Ou destruímos a máquina ou ela nos destrói a nós.”

A Nigéria é uma potência com petróleo e 180 milhões de habitantes. Continua a ser um dos mais promissores mercados para investir — diz um inquérito recente do Wall Street Journal. Conhece também uma violência endémica. O Boko Haram está a largar a sua acção aos Camarões. Olhemos os mapas. Do Mediterrâneo ao coração de África, multiplicam-se os “buracos negros”. Não é só no Médio Oriente. Os “buracos negros” querem dizer ameaça terrorista e contagiam-se uns aos outros. Shekau ter-se-á armado nos arsenais líbios. Por isso desviemos, só por momentos, os olhos para lá.

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