Produzir um balanço sobre a arquitectura de determinado ano é um exercício de enorme complexidade. Não obviamos, por isso, uma abordagem assumidamente pessoal, circunscrita ao universo de referência de que dispomos — o nosso próprio "museu imaginário".
Optamos, desde logo, por circunscrever o âmbito, de modo a tornar o texto metodologicamente possível. Propomos uma leitura de 2014 a partir de obras em Portugal e de autores portugueses; procuramos, além disso, divulgar o que consideramos novas frentes possíveis na Arquitectura portuguesa.
Com outros critérios, seria impossível não mencionar o Edifício sobre a Água, de Siza, o Jumex, de Chipperfield, a Solo House, de Pezo von Ellrichshausen, a Villa Allem, de Olgiati, ou outros autores e outros projetos que enunciam novos caminhos.
O polo universitário da Asprela, no Porto, é o anti-“genius loci” (recorrendo à expressão de Norberg-Schulz, assumida por Rossi), última linha da disfunção urbana. O novo edifício do Instituto de Inovação e Investigação em Saúde (I3S) (Serôdio Furtado) apresenta uma proposta de enorme interesse, pela sua relação com o espaço público e pela sistematização funcional de um programa complexo. Recomendamos, em particular, a observação deste edifício face à emergência moderna da Faculdade de Economia (61-74), de Viana de Lima, a poucos passos dali.
A reabilitação — urbana ou não — é o tema essencial da arquitectura portuguesa para os próximos anos. O Museu da Tapeçaria (CVDB), em Arraiolos, é um excelente exemplo de transformação de um edifício antigo. Num contexto consolidado, Cristina Veríssimo e Diogo Burnay explicam como é possível, através do bom desenho, manter uma linguagem contemporânea e tratar os temas emergentes do restauro e da conservação.
O projecto das Casas na Bouça das Cardosas (Atelier da Bouça) é um livro aberto do universo de referências dos seus autores e esse universo parece ter uma espessura crítica impressionante. Visivelmente empreendidos no estudo da obra dos dois principais “Álvaros” da História da Arquitectura (Álvaro Siza e Alvar Aalto), Filipa Guerreiro (que colaborou com Siza) e Tiago Correia propõem na complexidade vertical e horizontal da proposta (bem como, por exemplo, na desmultiplicação de pátios) uma nova espacialidade possível em torno das formas de habitar.
Um modo radicalmente diferente de colocar o problema da habitação é proposto por João Paulo Loureiro, no seu projecto para Duas Casas em Monção. Tudo diverge em relação ao projeto anterior. É impossível não estabelecer um paralelismo com o Museu da Escultura de São Paulo, de Paulo Mendes da Rocha — quanto mais não seja pela grande viga de betão (c. 100 metros). Tendo tudo a ver, não tem nada a ver: isto é, enquanto em São Paulo a viga é um elemento rígido organizador do espaço colectivo que a envolve, neste caso cede ao programa habitacional e sobrevive, justamente, dessas concessões.
The Hedonist (Nuno Pimenta e Frederico Martins) é, do nosso ponto de vista, um manifesto. Trata-se de um pavilhão de pequenas dimensões, um "displacement" de um quarto de hotel, passível de ser colocado em locais improváveis do espaço público, totalmente construído com materiais triviais, com um custo total máximo de 250 euros. A assemblagem deste pavilhão proposta pelos autores, bem como o discurso que produzem em torno dele, enuncia uma (sempre louvável) aproximação aos Lacaton & Vassal.
Em linhas gerais, estas são, do nosso ponto de vista, cinco frentes possíveis (e algumas hipóteses do seu hipertexto) para visitarmos e revisitarmos a Arquitectura portuguesa em 2014 e, quem sabe, uma boa forma de nos lançarmos em 2015.