2014 foi mais um ano em que se continuou a falar de “streaming”, apesar de representar menos de 20% da forma como as pessoas ouvem música, e esquece-se que a força dominante na música atual não é o Spotify, não é a rádio, nem é o iTunes, nem os Torrent, mas sim o YouTube.
Esta plataforma, em 2014, escondeu a tabela dos 30 mais de sempre (existe como API). Afinal, vinha sendo toda ocupada por videoclipes, e isso não faz bem à sua imagem de diversidade; tal como os 10 mais vistos do ano tem os videoclipes numa lista à parte. O contador “estourou”, o Youtube Music Key surgiu. Isto é, uma forma premium para ouvir música. Contudo, as pessoas não “ouvem” música no Youtube apenas pelos videoclipes oficiais (a maioria das vezes até é só a capa do álbum), mas, hoje, quando alguém quer procurar uma música, pesquisa-a aí. Surgindo os videoclipes oficiais em primeiro lugar, daí uma boa dose da importância atual e futura do formato.
Mas qual terá sido verdadeiramente o tema mais ouvido em 2014? Pois, por muito paradoxal que possa parecer, não considerar toda a dimensão do Youtube na resposta a essa questão é não ter uma noção aproximada dos hábitos atuais de consumo da música. Assim, sem ter dados concretos, destaco o videoclipe “Happy” de Pharrell Williams como o maior fenómeno musical do ano.
Devido às réplicas pelo mundo fora, de números incomensuráveis, seria o tema mais escutado do ano (o original é de 2013), porque foi aquele que melhor favoreceu esses novos conceitos incontornáveis da cultura digital: a “espalhabilidade” através da “memetização”. Contudo, se o escolho, é pela originalidade do conceito inicial e interativo de videoclipe com 24 horas. Uma ideia de Yoann Lemoine, mais conhecido pelo seu projeto musical Woodkid, mas realizado pelo coletivo We Are From LA
Se os exercícios performativos coreografados são prática de longa data neste género (bons deste ano: Sia, She&Him, Ok Go, Ed Sheeran, DJ Snake, BastilleVs.Grades), uma nova tendência tem sido o cruzamento entre o registo documental e o ficcional. E nesta linha nada me deixou mais atónito do que “Iron Sky” de Paolo Nutini, realizado por Daniel Wolfe; com tanto de belo quanto de inquietante. (Ver com tempo, fones e ecrã cheio).
Muitas pessoas perguntam-me como se avalia um bom videoclipe. Para além dos gostos pessoais de cada um (e a música determina muito), nas ações de formação sobre este género, refiro em primeiro lugar a novidade/criatividade técnica, mas importa que o videoclipe contenha outras leituras do que apenas exercício visual. Os vídeos devem agradar ao olhar, mas apresentar outras camadas. E para isso existe um autor incontornável que todos deviam fixar: NABIL Elderkin. Este fotógrafo deixou-me a remoer se o “Hunger of the Pine” para os Alt-J não seria a perfeita metáfora da ganância selvática que o capital especulativo nos tem infligido.
Outra força autoral tremenda, pois é um coletivo de quatro franceses intitulados Megaforce, que até já apresentaram uma retrospetiva em Portugal, metaforizaram esse lado negro da sociedade de consumo que nos faz correr em busca da eterna juventude. No videoclipe “Can't Help Myself” para Brodinski c/SD.
Por último, em vez das metáforas políticas, deixo antes uma metáfora poética, porque, para mim, é pungente e deslumbrante filmar assim a perda de alguém. Vejam “Nile” em ecrã cheio. A realização de Rob Chiu para a voz e piano de Douglas Dare merece.
É claro que acabei com o anterior, porque não me ficava bem acabar com uma taradice malandreca de que os videoclipes são pródigos, como este “Freak”. Mas para contrariar o espartilho que o P3 me criou (selecionar apenas cinco, imaginam? só cinco! não se faz!), ousei pisar os limites de carateres, não para acabar com um videoclipe, mas com outra forma de video musical que em 2014 tive o prazer de ver e rever e rever. Porque este videoconcerto (ou filme-concerto, que é diferente de um cine-concerto, como por cá muito se confunde) das Savages é simplesmente BELO, INTENSO, SEXY e POTENTE. Ecrã cheio e fones, já!