A cabeça da serpente e o rabo do boi
Será que Portugal se tornou já na “porta dos fundos” da Europa?
Isto leva-nos de imediato ao debate desenvolvido por Raquel Varela no contexto da entrevista de Y Ping Chow em nome da comunidade chinesa, onde a professora se refere não apenas às Lojas Chinesas, mas também às mercearias asiáticas.
Chow, sem hesitações, define de imediato a sua comunidade não como um grupo, um povo, mas como uma raça empreendedora, isto em contraste com as características hesitantes, passivas ou mesmo indolentes dos portugueses.
Para isto, e na melhor tradição da simbologia chinesa, ele remata que esta raça “prefere ser a cabeça da cobra a ser o rabo do boi”.
Cada vez que a questão da invasão saturante das lojas chinesas e a questão da qualidade dos seus produtos é levantada, de imediato neutraliza-se de forma inibidora o ritmo e a natural capacidade de discernimento do evidente, com o argumento da etnicidade.
Recusa-se a discussão do facto que a estratégia do Urbanismo Comercial da Câmara Municipal de Lisboa tem sido inexistente, que estas lojas usufruem de isenção fiscal por cinco anos, que não estão sujeitas a horários de trabalho nem a visitas de Inspecção de Trabalho. Que são entrepostos de escoamento de produtos inferiores, produzidos em verdadeira escravatura e agências estratégicas de obtenção de divisas.
As cíclicas mudanças de ramo ou de local, mantêm as isenções fiscais.
Ora, muito recentemente fomos confrontados com um escândalo nas chefias do Estado, difícil ainda de definir, mas fácil de classificar, como Imoralidade, na sua forma encoberta e indirecta de atribuição de um preço para o direito de circulação no espaço Schengen, e para a nacionalidade portuguesa.
Segundo o próprio Chow, andamos portanto a dormir, e esta impressão é confirmada na recente entrevista de Miguel Neves no PÚBLICO, que afirma: “A Europa está passivamente a olhar para o investimento chinês. É claro que este dá um contributo no imediato, é capital que entra e permite ajudar o financiamento de algumas grandes empresas, mas, a prazo, tem outras consequências que não estão a ser antecipadas, nem há uma estratégia de resposta.”
E aqui não se trata apenas da EDP e REN, ou de exemplos da Fidelidade ou a ES Saúde, mas trata-se de uma estratégia concertada onde o crescente interesse da China na Plataforma Atlântica Portuguesa (Açores), nos seus recursos naturais, tanto ao nível dos subsolos como das pescas, além da importante plataforma estratégica das Lajes.
A China no seu expansionismo tornou-se no campeão da globalização. Mas o seu conceito de concorrência não é baseado numa sociedade aberta, mas num capitalismo de Estado, totalmente controlador e intervencionista, enquanto o nosso está determinado pela liberdade e por direitos individuais, tanto nas ideias como na organização do trabalho e justiça, fundamentais, e adquiridos com muito esforço e luta.
Será que Portugal na sua profunda e omnipresente crise, na sua desesperada necessidade de dinheiro, no seu atordoamento passivo e letargia, se tornou já na “porta dos fundos” de fácil penetração, na fortemente fragilizada, mas ainda, mais do que atractiva Europa?
E, entretanto, entre as brumas, nas neblinas da impotência, os ressentimentos indefiníveis crescem e amontoam-se... e o fio condutor explosivo e irracional do populismo espera, aguardando a sua oportunidade.
Historiador de Arquitectura