Papa apelou ao despertar humanista da “envelhecida” Europa
“Onde está o vigor” desta Europa que devia girar em torno da “sacralidade da pessoa humana?”, perguntou Francisco no Parlamento Europeu
Num discurso, esta terça-feira, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o Papa falou numa “Europa um pouco fatigada e pessimista”. “Onde está o vigor? Onde está essa tensão em direcção a um ideal que inspirou a sua história e a fez grande?”, questionou o líder católico, citado pela AFP. “Chegou o momento de abandonar a ideia de uma Europa assustada e curvada sobre si própria.”
Francisco pediu aos decisores dignidade para os imigrantes, os idosos, os trabalhadores, os pobres e as minorias perseguidas. “Chegou a hora de construir juntos a Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana”, disse, dirigindo-se directamente aos eurodeputados.
O líder da Igreja Católica chamou também a atenção para o risco de o ser humano “ser reduzido a mera engrenagem num mecanismo que o torna um bem de consumo descartável” e denunciou o “tecnicismo burocrático” das instituições europeias.
A imigração, outro dos temas caros a Jorge Bergoglio, cuja primeira viagem oficial foi à ilha italiana de Lampedusa – porta de entrada de milhares de imigrantes vindos do Norte de África para a Europa – foi igualmente abordada. “Não se pode tolerar que o mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério”, declarou, renovando o apelo então feito. A declaração desta terça-feira foi feita dias depois do salvamento de 600 pessoas que naufragaram quando tentavam alcançar a Europa.
O Papa criticou “a falta de um apoio mútuo no seio da UE”, que dá azo à adopção de “soluções particularistas” e os impasses que têm impedido uma resposta coordenada dos 28 países às questões migratórias.
A perseguição das minorias, “especialmente os cristãos”, no Médio Oriente mereceu também a atenção de Francisco: “O que gera a violência não é a glorificação de Deus mas o seu esquecimento”.
O líder católico denunciou ainda o individualismo e o consumismo. Numa condenação da eutanásia, do abandono de idosos e do aborto, falou do “caso de pessoas em fase terminal, idosos que são abandonados e deixados sem cuidados e crianças que são mortas no ventre da mãe”.
A última visita de um Papa ao Parlamento Europeu foi protagonizada por João Paulo II, há 26 anos. Francisco recordou que “muita coisa mudou” desde então, e que hoje “já não existem blocos a dividir a Europa”. No entanto, o Sumo Pontífice nota uma Europa “envelhecida, que tende a sentir-se menos protagonista”.
Socialistas e conservadores saudaram o apelo do Papa a um “despertar” da Europa. “Foi uma mensagem de verdade que deve acordar a Europa”, disse o presidente do grupo socialista, Gianni Pittella. “Devemos resistir à tentação do egoísmo e dar à Europa um novo começo fundado em valores e ideias e não no dinheiro e na economia”, afirmou o chefe da bancada conservadora, Manfred Weber.
O ecologista José Bové declarou que “sobre a juventude e o desemprego, sobre a imigração, a ecologia, a mensagem é clara: a Europa deve reagir e não se deixar adormecer”.
Na extrema-direita, a presidente da Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, assinalou as “acusações muito pesadas contra o ultraliberalismo” O pai, Jean-Marie, também deputado europeu, lamentou, ainda antes do discurso, que o Papa defenda a “entrada maciça de imigrantes”.
A passagem de Francisco pelas instituições europeias foi curta – apenas quatro horas. No entanto, não foi desprovida de polémica. O eurodeputado francês eleito pela Frente de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, protestou contra o convite feito ao Papa, que, em nome da laicidade do Parlamento Europeu, “não tinha nada” que discursar em Estrasburgo.
Em resposta às acusações de Mélenchon, o presidente do Parlamento, Martin Schulz, defendeu, num artigo publicado no jornal do Vaticano, o Osservatore Romano, que a visita do Papa não foi “um ataque contra a laicidade”, mas sim uma tentativa “de retirar a Europa do seu torpor”.
Depois de falar aos deputados, Francisco deslocou-se ao Conselho da Europa, uma organização com sede também em Estrasburgo que tem por missão defender a paz, a democracia e os direitos humanos. Numa alusão à crise ucraniana, apelou, citado igualmente pela AFP, ao prosseguimento da sua acção “na procura de uma solução política para as crises em curso”.