Meu querido Diário da República Electrónico
Sem uma lei em que se possa confiar, sem se saber se a mesma se encontra em vigor ou sofreu alterações, é o mesmo que negar acesso à informação jurídica.
2. Tu és, desde logo, um maroto.
No ano passado, mais ao menos por esta altura, entendeste mudar de visual. Abandonaste o teu semblante cinzento e anunciaste todo um novo look. A vida, nesse aspecto, não te correu bem. Após dois ou três dias sem apareceres, regressaste ainda com a tua já velha roupa. Todavia, não desististe e, no passado dia 19 de Setembro, eis que surgiste, agora sim, com nova roupagem, nos nossos terminais.
Mesmo o ministro da Presidência e Assuntos Parlamentares, que tem responsabilidades parentais no teu caso, sentiu a necessidade de enviar-nos uma mensagem: “Uma nova fase, mais amiga do cidadão, procurando facilitar e simplificar a pesquisa e compreensão dos diplomas e normas que regem a nossa vida colectiva.” Boa! “Uma das preocupações é o aumento da acessibilidade do leitor, favorecendo um modelo de pesquisa intuitivo e de maior clareza na apresentação. Esta é também uma forma de contribuir para o fortalecimento da transparência na relação entre o Estado e o cidadão.” Duas vezes "Boa!"
“É mais um passo na melhoria e modernização do serviço disponibilizado aos cidadãos que consultam o Diário da República Electrónico, com ganhos na acessibilidade, em tempo e em eficácia, num trabalho que pretendemos em constante desenvolvimento”. Maravilha!
3. Tu tens uma dupla personalidade difícil de conceber para alguém com a tua relevância. Funcionas, basicamente, deste modo. Se um cidadão te consultar, em busca de uma lei que o apoquenta, colocas-lhe sempre a mesma pergunta: tens dinheiro?
Se não tiver resta-lhe o seguinte caminho se (e só se) souber já a identificação da lei: tens aqui, com os melhores cumprimentos, mas não te posso adiantar se a mesma se encontra em vigor ou se teve alterações. Todavia, se tiveres a possibilidade de me pagar à volta de 800 euros por ano, eu digo-te.
4. O cidadão faz um esforço, por exemplo deixando de fumar, e assina o DRE. Este é, contudo, mesmo a pagar, um assumido mentiroso.
Dois exemplos que me caíram nas mãos (quantos não cairão em outras?) em aula, sem o mínimo de esforço.
Há uma lei materialmente constitucional bem relevante, inclusive para o DRE: a Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas. Alterada por três vezes, uma quarta veio ao mundo há pouco tempo por via da Lei n.º 43/2014, de 11 de Julho. Não é que, talvez com a pressa de mostrar ao mundo a sua nova roupagem, durante um certo tempo ela não contou para a informação do DRE? Para ele, contra a evidência, só tinha havido três alterações. Depois, alguém deve ter reparado.
5. Outro exemplo ofereceu-nos o Decreto-Lei n.º 98/2011, de 21 de Setembro, que estabeleceu a orgânica do Instituto Português do Desporto e Juventude, IP, recentemente alterado pelo Decreto-Lei n.º 132/2014 de 3 de Setembro. Também aqui, o DRE andou atrasado na informação que prestava aos destinatários endinheirados. Agora já consta, no primeiro desses diplomas, o registo da alteração de Setembro passado.
6. Querido DRE: eu posso imaginar que tenhas uma vida complicada, em face das tuas características. Creio até que as pessoas que em concreto te alimentam são poucas – há que encurtar despesas e recursos humanos –, mas plenas de vontade de oferecer – é favor – um serviço público de qualidade. Tudo isso, porém, não basta para justificar tão errónea ideia do direito à informação jurídica de que goza o cidadão deste infeliz país, com ou sem dinheiro.
Não estamos a falar de coisa se somenos. Trata-se da publicidade dos actos normativos bem ancorada na lei fundamental. Sem uma lei em que se possa confiar, sem se saber se a mesma se encontra em vigor ou sofreu alterações, é o mesmo que negar acesso à informação jurídica.
Em breve, é não cumprir o Estado de direito democrático.
Professor de Informação e Documentação Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa; josemeirim@gmail.com