Numa tarde sem graça em Lisboa, num daqueles dias que ameaça mas não chove. Estava eu a descer o Chiado, fato completo, sapato engraxado, como saudades do tempo em que não vivi mas que reconhecemos das fotografias como aquelas de Fernando Pessoa, a caminhar pela cidade. Esbarro com um conterrâneo, um amigo de longa data, agora a viver em Luanda, que me saúda com um caloroso abraço assim que me vê, e me arrasta para a esplanada mais próxima sem me dar a mínima hipótese de recusar. Há que reconhecer, Lisboa é a cidade do reencontro e ninguém melhor que uns angolanos para a elevar a este estatuto.
Ainda não tínhamos pousado nossas bundas nas cadeiras mas já um par de birras (imperiais) haviam sido pedidas. Para matar a sede, a saudade e brindar aos idos de 90, no tempo do “preto vai para a tua terra” vindo de uma voz anónima, no tempo do ‘evita o Bairro Alto no dia de Camões e das Comunidades por causa dos cabeças rapadas’. Recorda o meu amigo, que aproveita esse dantesco momento de nostalgia para lançar a questão basilar que aflige todos os que detêm uma relação afectiva com o país da Welwitschia mirabilis, o que fazes aqui de tão importante para não arrumares as tuas bugigangas neste instante e desceres para participar no progresso da nação? Respondo-lhe: “Lisboa”.
É claro que não cheguei a esta conclusão de forma pacífica. Convencido de que não seria capaz de viver numa única cidade, fiz aquilo que me pareceu mais sensato: conhecer o mundo. De um dia para o outro tornei-me um nómada cultural. Deslumbrado com esta liberdade cigana de desafiar os perigos da identidade panfletária, vim descobrir que o que me agrada mesmo é a soma. E Lisboa é isso, a soma de várias sensibilidades, vários sotaques e, como o tempo é um luxo que não possuo, não encontrei outra cidade que me convidasse a conhecer de uma assentada só os africanos que me fascinam, e estes falam português ou uma sua variação muito própria, muito sua, à qual não consigo resistir.
Já reparam que o discurso multicultural está a sair de cena e no seu lugar, ainda sem um nome que o identifique, está agora a ganhar forma um movimento cultural que deixou de olhar para o exterior. Deixou de se importar, por exemplo, com aquilo que pensam os patronos da world music. Estamos diante de uma “nova” música popular de origem africana e não existe cidade melhor do que esta onde nos encontramos para assistir a esta transformação. Porque hesitamos? Porque nos demoramos a mergulhar nesse universo que nos é tão próximo?
As respostas que procuro neste preciso instante gravitam entre duas linhas – a de Cascais e de Sintra – sem esquecer, como é óbvio, outros pontos desta grande Lisboa onde habitam africanos mas cuja localização geográfica nos parece mais distante que o caminho que percorremos até Quelimane.